I
Estou sentado na borda da cama, no quarto de Sientje. É um quarto pequeno, quase sem decoração. Sientje está deitada, nua, encostada à parede. Explico-lhe que a vou deixar: para ela o amor é como uma biblioteca, da qual se emprestam livros, se recebem outros, e se pode trocar, por razões de espaço, a secção de psicologia com a de receitas de cozinha: a biblioteca é a mesma. Eu não concordo; não sou uma peça perdida de um puzzle. "Sou o puzzle todo, percebes, Sientje?"
Sientje percebe, mas não há nada a fazer. "É a terceira vez que sou incorrecta com um homem. Se a vida fosse um tribunal, apresentaria como circunstâncias atenuantes que os homens foram incorrectos comigo muitas mais vezes; e eu correcta com eles ainda mais. Mas a vida não é um tribunal e sei que te magoei", diz-me. Vou deixá-la. Não consigo imaginar-me a viver com ela; sem ela também não - mas prefiro o que não conheço, e sei que os três anos que acabamos de passar juntos serão iguais aos próximos três.
Sientje é uma holandesa grande, loira, de trinta e cinco anos que parece feita de um tronco de árvore: nodosa, com ramos abertos em todas as direcções e folhas que absorvem água de todas as chuvas. É estafeta de bicicleta: percorre a cidade toda de um lado para o outro para entregar cartas ou pequenos volumes. Vive em Portugal desde miúda. Diz-se "monogâmica em paralelo". Com ela vivi momentos de profunda felicidade; mas não sei partilhar sombras. Vou deixá-la; não aguento mais.
Sinto-lhe as mãos nas costas, os lábios na coluna, nó a nó. Deito-me ao lado dela. Vou deixá-la.
II
"Não te mexas. Hoje sou eu que te faço amor. Não te mexas". Sientje fala-me baixinho ao ouvido enquanto me acaricia. Estou deitado, braços e pernas abertas; a melhor das crucificações, como lhe chamou uma artista inglesa. Entre cada palavra Sientje beija-me a orelha; com a mão direita percorre-me o ventre e o baixo ventre. A sua boca avança para o topo do nariz; os bicos dos seios afloram-me o tronco; as mãos passeiam-se pelas coxas, pelos testículos, pelo membro, a rebentar de sangue e de desejo. A boca vai descendo, devagarinho. Agora apoia-se na mão direita e enfia-me a esquerda pelos cabelos. Os bicos dos seios continuam a aflorar-me levemente a pele. Quando levanto a mão para a tocar diz-me "não te mexas. Hoje sou eu que te faço amor" e eu obedeço.