Fui ao Publix comprar rum, cigarros e chocolate. Não vejo razão para poupar o corpo quando o resto está na merda.
Enfim, seria preciso acertar os pormenores, se quisesse ser preciso: o que é o resto? (Não sei). O Publix vende rum? (Não, mas perto há uma loja que sim). O rum é merda? (Não. É Flor de Caña 4 anos, a coisa decente mais barata da loja).
Estes pormenores parecem insignificantes, irrelevantes mas não o são. Verdade seja dita: tão pouco quero ser preciso. O chocolate era uma merda mas arrefinfei-lhe rum e ficou melhor. Os cigarros são assim assim. De qualquer forma não sei distingui-los. O rum é rum, tal como merda é merda.
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Nunca gostei de doxas, mas a actual parece-me a pior de sempre. Cada vez me sinto mais longe da horda. Não sei se sou eu ou ela quem está errado e pouco me importa. Nunca fui de rebanhos, nem quando eles eram quase aceitáveis. Pelo menos comparados aos de hoje, insuportáveis, fedorentos, a cheirar a cueiros mal lavados.
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Fui parar a um
site que fala de especialidades israelitas "para além do
hummus". Uma delas é a
boureka (a qual como o
hummus não é israelita, é mediterrânica, de passagem seja dito).
Mas que saudades, meu Deus, que saudades das
börek (como ele as grafava) de um bar de Carouge cujo nome esqueci onde ia buscá-las quando trabalhava no Marchand. Recheadas com espinafres e queijo, finas e estaladiças, uma delícia.
Mare nostrum? Não: mar de todos, mar da vida, mar de sempre.
(O que me leva a pensar nos sítios que são
de per se uma viagem, como é Genève ainda hoje e era há trinta anos.)
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Oiço os Carmina de Orff mas o computador não tem volume, que substitui a essência na música que a não tem. Ou lhe esconde a ausência.
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Tudo isto porque hoje comi um
hummus bastante aceitável num bar em West Palm onde fui com o Ed. E
tacos de carne, com os acessórios todos, incluídos nos preços das bebidas, as quais tinham uma redução de um dólar por ser
happy hour. Jantámos lá,
tacos e
hummus e em prémio bebi duas
pint de
Smithwicks, a melhor cerveja do mundo e arredores.
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Devo ter nascido a gritar "Tirem-me daqui"; mas não sei se era do ventre de onde tinha acabado de sair se do quarto de hospital ao qual acabara de chegar.
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Leio finalmente
A Manual for Cleaning Women, de Lucia Berlin. Pergunto-me como consegui chegar a esta idade sem nunca sequer ter ouvido falar dela. A literatura devia ser assim toda: quanto maior o horror que descreve melhor se passa de adjectivos.
Nunca me interessei muito pelas biografias dos autores de que gosto (salvo excepções: Jack London, Beckett, Hemingway). Mas de Lucia Berlin gostava de saber mais. Como é possível descrever o ódio tão singela, linearmente, tão sem floreados, sem
digressões?
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A audição atenta da terceira composição das Vésperas de Rachmaninov (na versão de Paul Hillier, a minha favorita), Blessed is the Man não responde cabalmente à pergunta anterior mas ajuda a preencher o vazio da ausência de resposta.
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É provável que uma boa definição operacional de amor seja "quando não há diferença entre amar e amar-te". Talvez. Não sei. Sou homem de poucas certezas.
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Lembro-me de
The Sea, The Sea e quero relê-lo. A mistura de rum, chocolate, cigarros e Rachmaninov não substitui a ausência dos livros e de um corpo.
Corpo? Cheira-me a sinédoque. A minha figura de linguagem favorita é o oxímoro, convém não me esquecer.
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O meu corpo já não é o que era? Não. Mas o resto está melhor.
(Continuo sem saber o que é o resto. Tal aquela parte de mim à qual o chocolate não chega e a música sim).
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Hoje numa discussão
facebookiana mencionei John Stuart Mill e a senhora com quem discordava (gentilmente, na minha opinião) respondeu-me com Bruno Nogueira. É de uma violência inaceitável, não é?