30.8.24
Diário de Bordos - Giardini Naxos, Sicília, Itália, 30/08/2024
27.8.24
Refúgios - redifusão e actualização
26.8.24
Diário de Bordos - Comboio para Cesenatico, Itália, 26-08-2024
O aeroporto de Eindhoven é daqueles que eu gosto: a coisa mais parecida com uma estação de comboios que um aeroporto pode ser. Um gajo está sentado no café e vê a cidade viver: carros a passar, famílias com carrinhos de bebé, uma furgoneta da DHL (ou outra do género, não me lembro).
No walk-through - não tarda até os campos de aviação de aldeia terão um - repeti a façanha do Fahrenheit. Eles chateiam-me com aquela porcaria toda e mil ziguezagues e eu vingo-me borrifando-me com Fahrenheit, a única água de colónia que usei durante anos (em terra, claro. A bordo não há perfumes). Desta vez fi-lo em Palma e depois em Eindhoven. O último frasco disto que comprei ficou num aeroporto qualquer, creio que o de Lisboa. Era um frasco enorme comprado na free shop de Colón, o único que conheço digno desse nome. O frasco era grande, custou-me um terço do preço que pagaria normalmente, durou-me mais de um ano para acabar ingloriamente naqueles recipientes para onde os senhores dos filtros deitam o que não podemos levar na cabine. Ainda lhe implorei que ao menos ficasse ele com a porcaria da água de colónia, mas disse-me que não podia e deitou-o fora. Vá lá que já não tinha muito, mas aquilo magoou-me e nunca mais comprei. Agora rapino os walk through, quando me lembro (é raro, mas acontece. Às vezes até a dobrar).
Por falar em funcionários dos filtros de segurança dos aeroportos: hoje, ainda em Eindhoven, um deles felicitou-me pelo chapéu novo. "Your beautiful hat, Sir, etc." Gosto muito de ver as minhas opiniões partilhadas. Quem é que quer ser único ou original? Eu não. Só me pergunto até quando o chapéu será "novo"? Afinal, basta-me designar por Panamá o que comprei em Lisboa por um preço aberrante para os distinguir. Um Panamá e um chapéu.
Que de resto vem a propósito porque Colón fica no Panamá, como toda a gente sabe. Isto anda tudo ligado e o mundo é um penico.
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Estou esfomeado e cheio de sono. Hoje ainda durmo num hotel. Só embarcamos amanhã, não sei porquê. Isto de ter italianos a organizar o que quer que seja traz-me sempre à memória a história do céu e do inferno. Um dia conto-a (outra vez).
Na verdade o que me apetecia mesmo era passar a noite em Bolonha, mas o raio do avião chegou à hora. Só se atrasam quando não devem.
25.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 25-08-2024
(Sim, continua mas num prato separado. Não me apetece comida fria.)
a) Bebi menos cerveja enquanto esperava (em Porto Adriano basta olhar para um copo vazio para se começar a pagar);
d) Uma vez chegados a Palma dei uma gorjeta mais pequena.
Estas tácticas permitiram-me ganhar cinco euros sobre o táxi de ontem e dez sobre a gorja. Se isto não é uma epopeia financeira não sei o que é.
A saber: polenta. Coniglio alle olive, Chianti, Barolo, se um dia me der para o tolo (salvo seja). Grappa decente. Será que o Salverio ainda é vivo? Será que é desta que vou a Palermo?
Diário de Bordos - Porto Adriano, Mallorca, Baleares, Espanha, 25-08-2024
Saiu-me outra vez uma Frauscher 41 na rifa. "A mesma, de cor diferente", explica-me B., a encantadora senhora que me dá os contratos e me paga, duas qualidades que aprecio enormemente. Sobretudo quando a senhora é bonita. Não estraga nada, antes pelo contrário.
Hoje está de ventosga de norte. Não chega a badanal - graças a Deus - mas anda lá perto. Não há muitas opções aonde os levar. A ver o que eles querem.
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Uso a eDreams há muitos anos e de uma maneira geral estou suficientemente satisfeito para não procurar outras plataformas. Não é portanto por causa desta reserva que vou mudar. Mas lá que é intrigante é:
O voo é de Palma para Bolonha, admitidamente um pouco à última da hora (não se pode dizer que é uma novidade, mas passemos). A primeira reserva é anulada e reembolsada. A segunda passa, mas - para ir direito ao assunto: vou de Palna para Eindhoven e dali para Bolonha com a mesma companhia - Transavia - e com duas reservas diferentes. A eDreams fez o primeiro segmento por intermédio de outra agência. Ou seja: tenho de pagar dois suplementos de bagagem (ou melhor, quem os paga vai ter de pagar), tenho dois PNR e isto para viajar com a mesma transportadora. Telefonei à Transavia porque não me encontrava no meio desta confusão e agora sim, começa a parte gira (atalhando muito): para a bagagem / check in de um dos segmentos devo grafar o meu apelido em caixa alta (SERPA). Para o outro, só a inicial em maiúscula (Serpa).
Quem acredita que as empresas são monstros frios de racionalidade pura devia rever esta perspectiva.
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Uma hora de espera. Merda dos autocarros não há maneira de acertarem os horários com os das reservas.
(Cont.?)
24.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 24-08-2024
Devia concentrar-me no essencial e deixar o periférico para depois, eu sei. Ou para nunca. Mas tudo se mistura nesta pobre cabeça nestes dias, parece que vivo numa daquelas máquinas de misturar cimento que estão (ou estavam) à entrada das obras. Lembram-se? Era um cilindro mais para o cónico que rodava sem parar com um barulho infernal e tinha um volante que de vez em quando um operário manejava e o tal cilindro inclinava-se e vomitava cimento para um carrinho de rodas. Não sei se o cimento são as minhas ideias e eu o operário. Pouco importa. Passemos à essência das coisas:
- A gorja do dia deu para pagar o táxi de Porto Adriano para Palma e o que sobrou foi consumido em cervejas ab ante, enquanto esperava o dito táxi (que tive de chamar três vezes, de passagem se diga). Ainda por cima penso que o gajo me enganou, mas desta vez não me chateio, o gajo enganou-me honestamente, não sei como explicar isto;
- O Jaume tem uma marca nova de hierbas. Novas é uma maneira de dizer: é Muntaner, que já conheço do excelente vermute que faz. Aparentemente lançaram-se às hierbas. Abençoados sejam;
- Ainda no Jaume: três divindades nórdícas daquelas que nos fazem pensar em «embalar a trouxa e zarpar» rumo ao sol da meia-noite, aqueles sacanas daqueles nórdicos tiveram que levar com o clima que têm para pagar tudo o resto;
- Antes do Jaume: um gelado de lichi no Claudio. E não é só o gelado. O gajo faz tudo ao contrário do que eu lhe digo: serve-me antes da fila toda, põe-me duas bolas enormes (uma de lichi e outra de pistaccio) e cobra-me metade «porque as bolas eram pequenas». Já nem reclamo. Limito-me a pensar que um dia vou ter de pagar isto tudo, tanto mais que:
- Ao Claudio antecedeu um jantar no Gustar, cujos pormenores passo por vergonha e pudor.
No Jaume a mesa à minha frente fala de Glenn Gould mas eu não oiço: segunda vou para Bologna e daí para Cesenatico buscar uma lancha para «Messina ou Palermo ou... não sei», diz-me o gajo que me contratou, que de caminho me pediu para ser eu a comprar o bilhete para Bolonha, coisa que me apressei a fazer porque ando doido por uma boa pratada de polenta e no meio disto tudo penso na gorja, no táxi e digo-me que pelo menos não toquei no salário e de qualquer forma amanhã há mais, seja Deus louvado, se bem seja só meio dia e o salário mais baixo, claro.
Isto mistura-se tudo.
E no fim em vez de cimento saem dias, noites e vida.
Vida diluída em mar, cerveja, vinho, hierbas, rum, uma lancha absolutamente sublime (Frauscher 41, se por acaso), um táxi que me trouxe pelo caminho mais confortável para me levar cinco euros a mais, carne de se cortar com o garfo e mais uma série de coisas que escondo (outra vez) por vergonha e pudor, não vá o diabo tecê-las. E agora a música de Hildegarde von Bingen, nunca é demais citá-la. Não há acção de graças completa sem ela. Hesito em deitar-me: custa-me apagar a luz sobre um dia destes.
Isto mistura-se tudo.
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O corpo pede-me mezcal e eu dou-lhe hierbas. Como é que ele não há-de reclamar?
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Estou quase naquela idade em que o amor e a amizade não se distinguem. É como aqueles filmes em que um gajo percebe a história mas leva anos a perceber-lhe o sentido.
23.8.24
Diário de Bordos ' Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 23-08-2024
Dia redondo, sem ponta por onde se lhe pegue. Não tem princípio nem fim, escorrega-me da mão como garrafas de vinho na boca de um bêbedo. Deixa-se beber mas não deixa traços.
Que bom tudo isto ser mentira!
Na verdade o dia acabou bem, mas não tão bem que valha a pena falar dele. Amanhã tenho um charter, daqueles que eu gosto: barco a motor, oito horas de trabalho. Talvezes: a mesma coisa no domingo, mais um transporte de três dias de uma motora de vinte e dois metros, tudo isto antes de ir para a Holanda. De confirmado, só amanhã. É pouco? É. Mas chega.
Como se estivesse num interminável escorrega e só avançasse aos soluços. Os dias deixam de ser redondos. São ovais. Têm a forma de um coração. Piscam-me o olho e de repente abrem-me as pernas, escancaradas. Benditos sejam.
Gostaria de lhes cantar laudas, a esses dias que ora me sorriem ora me fazem manguitos e eu continuo a amar porque através deles é com a vida que me deito, todas as noites.
Fui finalmente comprar analgésicos. Paracetamol. Fui à farmácia aonde não me deixam entrar com a bicicleta, o que é uma excepção. Normalmente só entro em lojas que aceitam a burra. A cem metros há uma, mas prefiro esta. A minha farmácia em Lisboa deixa entrar a bicicleta. A pergunta é: será que o Paracetamol mil é suficiente para eu dormir? Até agora tudo leva a supor que sim, mad ainda só tomei dois
Resposta definitiva amanhã.
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Há cada vez mais portugueses nas ruas. Consequência dos voos directos, suponho. Hoje - ou terá sido ontem? Estas dúvidas que me atormentam... - vi um grupo na rua. A rapariga tinha uma t-shirt que dizia Benfica. Era nova, vinte e poucos. Facilmente reconhecível como portuguesa: meia perna e rabo e meio. Quando envelhecer vai ficar bonita, uma bola vestida de preto e buço. Terá de encontrar outro clube, suponho. Hoje no Mercadona vi outro grupo, mais jovem, bonito e menos futebolístico, pelo menos na aparência. Gosto de ouvir portugueses porque me muda dos alemães. Acho uma pena só falarem de futebol, mas isso é outra história. Pelo menos falam, não grunhem. É um grande avanço civilizacional. Passaram da fase macacos à de homo sapiens graças ao futebol. Se não fosse a bola ainda andariam a quatro.
"Deixei de usar roupas luxuosas"
22.8.24
Subvenções, feitios
Do que eu gosto nas pessoas: estou na Babel a folhear livros e a beber um vermute (Muntaner, se por acaso). Vejo um livro de poemas sobre Palma mas está em catalão e vou perguntar ao José Luis se existe uma versão em espanhol.
- Não. Para espanhol não há subvenções.
Depois dizem que ele tem mau feitio. O que eu gosto do mau feitio!
Esquartejamento
21.8.24
Tu repeles. Eu não
Acho indecente e injusto que o verbo repelir não tenha a primeira pessoa do singular do presente do indicativo.
E se falássemos do tempo?
E se falássemos do tempo, para variar? Já a meio da noite tenho de me tapar, já por vezes a burra anda mais depressa (outras não. Aquilo tem vida própria), já nem todos os dias preciso de dois duches, a conta da lavandaria vai aumentar. O Sol está bem avançado no seu caminho para sul apesar de fingir que ainda por cá anda, é um truque de que ele gosta muito, na Primavera é o contrário, anda cá por cima e parece colado ao trópico, como se este o agarrasse como agora parece agarrá-lo o outro trópico. A térmica continua, essa, porque durante o dia o calor aperta e à noite ele diminui mas não tarda amainará também. Em breve vou para o fresco, para águas que adoro, com marés, correntes, noites frias, rochas. Pelo menos são mais previsíveis do que estas. Deixo o «meu» P. ainda por acabar, faz-me frio nas costas, arrepios, isto não é uma carroça com dois cavalos. É um cavalo com duas carroças.
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 21-08-2024
Escrevo na Bodega Belver, aonde venho tomar a minha vacina pró-Palma (a ideia de que as vacinas são sempre anti-qualquer coisa é falsa). Conteúdo da vacina: palo da marca Garrot sifonado, a beleza do local, a calma (é cedo) mai-la simpatia do Cliff. É uma vacina poderosa e eficaz, que tento tomar todos os dias.
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Hoje enverguei finalmente a genoa. Dia grande, dia de festa. Comprei uma tablete de chocolate Lindt para acompanhar o rum, mais logo, não vá dar-se o caso de o 7 Machos estar cheio e sem o Alex.
Os jornais continuam a dar importância aos mortos que recuperam do BAYESIAN, em vez de esperarem até se saber porque é que o barco virou tão depressa, que é o que realmente interessa. As massas alimentam-se de merda, coisa que os jornais lhes servem com prazer. E muito provavelmente com uma incapacidade total de servirem outra coisa.
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Abro o chocolate e o rum Flor de Caña e penso imediatamente na queridíssima M. da P. Vejo-lhe o olhar reprovador como se ela estivesse sentada à minha frente, o sorriso doce, suave, aquela mulher é um prodígio da bondade, é a bondade feita carne e alma e apetece-me escrever-lhe só para lhe dizer: «Não te preocupes, M. Tomo os comprimidos religiosamente, injecto-me todos os sábados, meço a glicemia de tempos a tempos (umas três vezes por mês, vá). Está tudo nos conformes, neste ponto particular a carcaça está de parabéns, é nos outros que ela me trai mas eu deixo-a a falar sozinha, não lhe ligo excepto quando as dores exageram e saltam dela para fora mas até agora não me queixo, têm-se mantido no curral, cada uma no sítio que lhe compete: os dois ombros, o joelho, até a cabeça parece querer começar a funcionar, vê lá tu.»
(Cont.? Não tenho a certeza.)
Ascendências, descendentes
Uma das coisas que me leva por vezes a acreditar na aristocracia é que os criadores de cavalos e de cães também atribuem muita importância à ascendência dos animais.
Divagações, pieguices
20.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 20-08-2024 / II
Fora da caixa
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 20-08-2024
19.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 19-08-2024 / II
Jantei a bordo nas a carcaça anda há semanas a pedir-me que lhe dê um mezcal e hoje fiz-lhe a vontade. Ou melhor: tentei. O 7 Machos estava cheio e o Alex não estava (lá. Cheio não sei). Fui-me embora e andei a bater à porta de vária capelinhas até acabar no Madre, plaza Patins. Novidade absoluta. Nessa praça só conheço o Sa Caravana, que está fechado para férias. O Madre propõe Matusalem 15 anos a menos de cinco euros o chupito e Cacique a menos de quatro. Escolho este. Não ando com paciência para runs a armar ao pingarelho. Nem para mim tenho paciência, quanto mais.
A senhora da mesa à minha frente é seca de carnes, fuma e tem a voz espessa de quem bebe, fuma e vive. Acertei no poiso.
Falam muito, ela mais do que o parceiro, que está de costas e fala baixinho. É como se fosse transparente. Transparência essa que me trespassa o sono, muito a esta hora.
Tento chamar a empregada, mas tenho de me levantar. Para quem acaba de passar três ou quatro meses na Martinica não é nada.
Neles?
Deixa que os dias passem por ti como estas nuvens que agora ocultam o Sol e logo o destapam: sem deixar marcas. É esse o dia ideal: não aprendeste nada e nada esqueceste. Não tocaste e não foste tocado. Da tua passagem pela Terra nada sofreu. Nem tu, sequer: sais intacto como as nuvens que taparam o Sol e logo o destaparam.
Estende-te por essa cidade fora, navega esse mar - é todo o mesmo, é só um. Limita-se a mudar de nome como a luz muda - ama essa mulher que um dia construíste na tua cabeça e se calhar nunca viste nem muito menos tocaste. [Já.]
Escreve, lê, fotografa, bebe, navega, ama: talvez haja outras formas de viver no mundo, mas quem se importa com isso? Calharam-te estas, foi o que a rifa te deu. Isso, um chapéu bonito, uma bicicleta, dois filhos, netos... Os dias passam como nuvens e neles - deles? - ficam estas marcas.
Neles?
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 19-08-2024
Hoje é segunda-feira e até quarta de manhã já sei que vai ser esta luta entre ter vontade de comer, enjoar só de pensar em comida e não saber aonde fazê-los (enjoar e comer). Desta vez resolvi o problema logo de manhã, ainda antes de sair de bordo: vou à Bodega Morey, que não tarda ganha a categoria «primeiro nome» (Octávio). A ideia era preceder o almoço de uma horita no Mise en Place (ex-Daniela) a escrever, mas estava cheio a abarrotar e vim logo para aqui. Para além de um casal de alemães que almoça como se estivesse no país deles (é meio-dia e um quarto!) estou sozinho, o vermute é bom, o Octávio recebeu-me com a alegria habitual, o prato do dia é canelloni de marisco (acho que vou para as raciones), a Típika está fechada - ou seja, poupo dinheiro em postais e outras bugigangas - o vermute é excelente... Nâo é o vermute, estúpido. É a música.
18.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 18-08-2024
Penso: «Pouco a pouco, reaproprio-me Palma» e logo a pergunta que assombra todas as relações vem-me ao espírito: «Tu reaproprias-te Palma ou é ela que se reapossa de ti como se tivesses acabado de chegar?» Quem ama, quem é amado, quem manda quando se ama e se é retribuído? Venho ao Born 8. Deve ser a terceira ou quarta vez. Peço um vermute, esse sim é a primeira vez que o provo: Quintinye, um vermute francês que fica algures entre o agradável e o bom, leve e saboroso. Não vale é o preço que custa - nem o Born 8 vale o que pedem pelos preços, mas isso compreende-se O Paseig des Born não é para tesos.
Almoço: mais uma descoberta, mais uma semi-decepção: Trattoria Amayó, «descoberta» no Google Maps.
16.8.24
Corações partidos
A vantagem de um "coração partido" (aspas porque traduzo) é que podemos passear entre os estilhaços, explorá-los todos, um a um e assim ficarmos a conhecê-lo melhor do que se estivesse inteiro.
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 16-08-2024
Os meus esforços para ir a sítios "novos" (aspas porque não são novos. São só menos frequentados) continuam. Hoje com uma pequena variante: vim à charcutería selecta La Crème, que merece nomes e apodos e em vez de comer a habitual e magnífica sandes de presunto comi um fatia de pâté au poivre (a tradução é minha. Estava em espanhol) e uma de queijo San Simón fumado - tem a forma do Provolone fumado mas não lhe chega aos calcanhares, como de resto a senhora teve a gentileza de me avisar -, bebi uma quantidade razoável, nos dois sentidos do termo, de vinho tinto e fui iluminado por uma ideia.
Se uma senhora quer seduzir ou manter o homem que ama o método mais seguro e tradicional passa pelo estômago - isto é uma simples hipótese de trabalho - não deverá uma cidade fazer o mesmo? Isto é: Fidel, Joan, Xisco, La Crème, Pep e tantos outros não serão simplesmente braços de um desses deuses hindus enviados por Palma para me aprisionar aqui e me acorrentar pelo estômago (ou pelas papilas gustativas, mais exactamente)? Sendo que estas ruas, estas praças, estes prédios também reservaram uns braços.
.........
Estou sentado sozinho na mesa única da la Crème. Ao meu lado está a BH Glasgow Vintage. Revivo o meu espanto quando descobri que aqui a esmagadora maioria das lojas acha perfeitamente natural que se entre com a burra pela mão. Ao princípio era um dos meus critérios de escolha de lojas, mas deixou de o ser: quase todas deixam.
(Cont.)
15.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 15-08-2024
Por fim, DANA
Ainda meia dúzia de palavras a respeito do temporal nas Baleares. Espero que sejam as últimas:
Quando eu era miúdo a minha Mãe introduzia na oração da noite uma especificamente dedicada aos marinheiros. Isto mesmo quando o meu Pai já estava em terra - começou quando Ele ainda andava no mar - e reforçado por uma chamada de atenção quando estava mau tempo - fosse localmente fosse lá fora, quando Ela sabia.
Não me lembro dos termos da oração, claro. Já lá vai mais de uma época ou duas. Mas isto marcou-me.
Não que eu morra de amores pelas pessoas que andam em barcos. Ainda o ano passado um cliente acusou-me de desprezar os amadores e a verdade é que não sendo verdade não é totalmente mentira. Não os desprezo, é tudo.
Mas - e aqui reside o cerne da minha fúria - nós, marinheiros, sabemos uma coisa que essas pessoas não sabem: somos o elo mais fraco da cadeia. Não temos o direito de criticar os outros, igualmente frágeis.
Talvez até mais do que nós, marinheiros.
PS: DANA é o acrónimo de Depresión Aislada de Nivel Alto.
Diário de Bordos - Valência, Espanha, 15-08-2024
Pequena nota de viagem: o vermute caseiro da cervejaria Moonlight é esplêndido, o pessoal simpatiquíssimo e a comida excelente. Agradeço ao acaso, à sorte e ao señor Placido da Blablacar, que me deixou nas imediações.
CONT.
Hoje cheguei, passei os filtros, não me esqueci de tirar o computador do saco, não me esqueci de pôr a camisa fora dos calções para os seguranças não verem o cinto - se o virem dizem-me para o tirar, se não o virem não dizem. (Em todo o lado.) E depois é isto, simultaneamente:
a) O voo está três horas - três horas! - atrasado; e
E ainda há quem tenha inveja da minha vida.
13.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 13-08-2024
Há outros objectivos, mais pequenos mas não são dignos de nota.
12.8.24
Memórias despidas
E agora, que da memória o amor se foi, que fazer destas recordações assim despidas da roupa que as fez nascer, tão despidas como tantas vezes te vi? Que dizer-te, agora que «amo-te» não cabe? «Lembro-te»? Alguma vez te esqueceria, alguma vez te esquecerei? Não, claro.
Mas voltarei a dizer-te amo-te, um dia, quando as memórias tiverem frio e quiserem vestir-se.
11.8.24
O prometido é devido - Antonio Moresco, Los comienzos
(Não traduzo. Em primeiro lugar porque sou um péssimo tradutor; em segundo, porque não me apetece; em terceiro, porque toda a gente percebe espanhol.)
Antonio Moresco, in Los comienzos (incipit), ed. Impedimenta, 2023, Madrid.
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 11-08-2024
L., o day worker sul-africano que me faz alguns trabalhos a bordo tem até quinta-feira para encontrar um barco que o possa «tirar» da UE. Estas estúpidas leis da imigração deviam ser repensadas. Para além do facto simples (e discutível) de que uma pessoa deve poder viver aonde quer e não só aonde pode, a verdade é que a Europa devia pagar a gajos como este para imigrarem. Não expulsá-los.
10.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 10-08-2024
9.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 09-08-2024
Da Colômbia só conheço Cartagena de las Índias e o restaurante Sabor Criollo, em Palma. Recomendo ambos. As arepas e a simpatia são iguais nos dois lados e o restaurante tem uma ligeira vantagem: está ao alcance da minha bicicleta. Não é preciso meter-me num avião.
Ou num barco, que vontade não me falta.
.........
Hoje lembrei-me - ou melhor, fui lembrado - de que tenho sorte de ter uma amiga chamada Maria. Digo o nome porque é bonito, tão bonito como ela é. A Maria é médica e vai fazer aquilo que o SNS não pode ou não quer fazer: olhar para os resultados das minha análises, exames e ecografia (é só uma) e traduzir-me-los, que daquilo não percebo nem as vírgulas.
Amizade, amor, ternura, bondade, fraternidade, altruísmo substituem qualquer SNS, incluindo o melhor do mundo. E não me venham com histórias: todos temos uma Maria nas nossas vidas.
Quem não tem devia ter. O SNS não tem, por exemplo. Devia ter. Não uma, mas milhares delas.
........
Posso estar enganado. Estou muitas vezes. Mas diabos me mordam se amanhã o "meu" P. não der mais um salto para a frente. Preciso tanto como ele, de passagem se diga.
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De todos os sentimentos, aquele que mais amo é o amor. É o mais completo e versátil e satisfatório de todos. Não precisa sequer de ser retribuído. Basta-lhe existir...
Corto aqui. Execro pieguices. Obrigado Maria.
8.8.24
Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 08-08-2024 / II
Venho almoçar ao Pep, metade por preguiça - está ao lado do P. - , metade porque é bom, metade porque tem ar condicionado e metade - a última - porque o gajo está uma simpatia.
São muitas metades, eu sei mas não me importo. A matemática é uma ditadura e há que resistir-lhe, desobedecer-lhe, opor-lhe as palavras. Vem-me à memória aquela frase do Lacan que vi ontem no FB (nunca consegui ler dele mais de dois parágrafos seguidos ou três alternados): «Se um homem que pensa que é um rei é maluco, um rei que pensa que é rei também o é.» Hesitaria em aplicar esta ideia à matemática, mas não deixa de ser tentadora.
Enfim, tudo isto porque estou cansado, estou cansado de estar cansado, cansado de dizer que estou cansado e por aí fora, numa cansativa e infinita espiral que só daqui a pouco parará, quando for dormir a sesta, apesar do calor. É «a terceira vaga», dizem os jornais, para quem a verdade não é de todo uma ditadura e que gostam de a adornar com fórmulas. Julgam que isso os ajuda a vender, apesar de essa mesma realidade os desmentir quotidianamente. Claro que podem sempre dizer que se se limitassem à verdade venderiam ainda menos, mas eu não acredito. Ou então venderiam, mas pelo menos poderiam andar na rua de cabeça levantada, que hoje não podem. Ou não devem.
.........
O «meu» P. deu hoje um grande passo em frente. Como sempre, o que deveria ter levado um mês já vai quase em três. A cada passo parece que estou a levantar ferro e que a corrente está presa numa rocha e é preciso chamar uma armada de mergulhadores mas eles ou não estão ou não respondem ao telefone ou estão doentes ou a estudar ou o raio que os parta. Como se o rochedo do Sísifo resvalasse mas não até ao fundo, a cada descida fica um bocadinho mais alto, mais perto do cimo. Pouco, mas mais alto.
(Cont.?)
Figos, D. H. Lawrence
Figs