Pouco a pouco, nos supermercados o verde substitui as outras cores todas. As pessoas querem «natureza» e é na secção «bio» das super-lojas que a vão procurar, embrulhada em todas as espécies de plástico - mas na caixa já só têm sacos de papel, o «verde» começa quando se vai para a rua. Antes disso, impera o transparente. Não se pode dar um passo sem dar com iogurtes «bio», leite «bio», carne «naturaplan», alfaces «sem glúten», fruta «sem fosfatos» - tudo embrulhado em plástico. Salva-se o peixe - é preciso perguntar e auscultar cada etiqueta cuidadosamente para se saber se a peça é de piscicultura se de pesca. Ninguém se preocupa com o salmão - um dos grandes crimes ecológicos da nossa época, sobretudo o da Noruega, esse país que se prepara para proibir nos fiordes embarcações a combustíveis fósseis. Não tenho nada contra a hipocrisia - sem ela não se viveria em sociedade e não haveria supermercados - nem contra os mitos - cada época tem os seus, grand bien leur fasse. Tenho contra a ignorância, contra a mentira, contra o holier than you que invadiu esta porra deste tempo, contra esta esquizofrenia dicotómica, maniqueísta.
Vá lá que a meio da tarde de uma terça-feira o supermercado está praticamente vazio, as caixeiras - quase todas obesas, até nisto o tempo apanhou a cidade desprevenida - aproveitam um erro qualquer do planeamento para olharem os tapetes vazios e de caminho as unhas ou os telefones portáteis.
A demência continua, em todo o lado. Tento não pensar nela, mas depois ocorre-me que representa muito provavelmente noventa e nove por cento do peso da pedra e amaldiçoo-a de novo: que chovam asteróides sobre os malditos que nos condenam a esta sub-vida, como se fosse um substituto de vida, como se valesse a pena não-viver para sobreviver, como se um ano de palhaçada não fosse um ano a mais, um ano demais, um ano subtraído a uma vida traída. Que morram esmagados pela sua demência, exalto-me no sonho, como se os asteróides fossem teleguiados e não obra do acaso, o grande - o verdadeiro - mestre disto tudo.