31.1.20

Chegaste

Percorro as linhas da luz, um pouco como um índio segue uma pista. Luz feita de indícios, de pequenos traços, um fim de palavra ouvido ali, um sorriso entrevisto acolá, um decote audacioso (ou generoso?) Sonho com a mão que um dia me dirá "Chegaste".

Tem uma foice e está vestida de negro, não é?

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 31-01-2020

Em Palma há duas respostas imediatas às indecisões alimentares: o Mini-restaurante (sic) Júlio e o 7 Machos. Hoje optei por este: não me apetece comer à mesa com garfo e faca e vinho e comida maiorquina e criada malcriada e tudo. O 7 Machos é a deslocalização ideal: comida mexicana perfeita (a melhor a leste de Greenwich, já aqui o disse muitas vezes), dona sueca, empregadas sabe-se lá de onde mas sempre lindas e simpáticas, Margaritas impecáveis e uma escolha de tequilas capaz de fazer um mexicano sonhar com ladrões.

Desenraizado. Isto define um gajo? «Desculpa, meu amor, sou um desenraizado.» Isto pegaria? «Sou um nómada, mas quero sedentarizar-me, prometo-te. Amo-te.»

Tretas. Balivernes. Bullshit. Tanga. Ninguém sabe escrever sobre si próprio, sob pena de cair naquele julgamento lapidar de Borges: «Todos acabamos por nos parecer com a imagem que os outros fazem de nós.»

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Quesadilla de ternera. Falta-me uma Mole de pollo e sobra-me Tequila. Boa troca. A quesadilla estava óptima, a empregada bonita e a Margarita excelente. Não vejo muito de que me queixar, que maçada. Comi ao balcão, como sempre ali.

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Desenraizado? Claro que define um homem.  Tanto como a terra de onde vem. «Les imbéciles heureux qui sont nés quelque part» são enraizados, por exemplo.

30.1.20

Fatigas

Há uma espécie de fatiga que se trata melhor ficando de pé. Ela escorre-nos corpo abaixo e vai para o chão, para a terra, que é onde pertence. Um gajo sente-a a descer pelos ossos, resistindo como uma lagartixa a descer da árvore mas a gravidade acaba por ganhar. (Não é de espantar. A gravidade ganha sempre, claro.) Quando chega aos pés e passa pelos sapatos um tipo sente-se imediatamente mais leve, mais bem disposto.

Já a fatiga que exige cama é diferente: não desce, sobe. (Ainda bem, porque se fosse para baixo concentrar-se-ia na cama, onde ficaria aprisionada e em menos de nada a cama cansar-nos-ia ainda mais do que nós estávamos quando nos deitáramos.) Essa fatiga sai de nós porque é mais leve do que o ar e perde-se na atmosfera.

Não sei qual delas prefiro, mas isso fica para depois. Agora, vou dormir.

Direcção, memória

Andam por aí alguns palermas a querer corrigir a história, como se ela fosse um ditado na escola primária. Não é. É um camião com memória mas sem direcção.

Simplesmente

Se fui muitas vezes ridículo é simplesmente porque me fartei de escrever cartas de amor.

«Um lugar onde faça sentido parar»

É da imperfeição...  Deste conjunto de imperfeições.

Até a morte é imperfeita: o corpo decompõe-se, os vivos recordam o morto, o cadáver passeia-se por aí - num livro, numa árvore (ou num filho, mas aí só metade) - puzzle imperfeito, as peças encaixam mas há espaços entre elas, às vezes abismos, as imagens ficam tortas, há um dedo que as percorre (serão dois?) e apercebe-se das falhas geológicas, fracturas tectónicas, sorrisos que não colam uns aos outros, adeuses que ninguém sabe se o são para sempre ou para nunca, olhares que por vezes se enfrentam e outras se esquivam, há espaços nas peles que ficarão para sempre desconhecidos, intocados, há futuros que nunca passarão disso. Futuro - e passado - são promovidos à condição de presente, convem não esquecer. E este, despromovido, mal passa a um ou outro: o passado é um presente que se interroga, o futuro um presente que se ignora.

«...anda à procura de um lugar onde faça sentido parar e ainda não encontrou», disse alguém um dia. À procura de um lugar? Substitua "lugar" por "corpo": «Anda à procura de um corpo onde faça sentido parar...» Por praia. «Anda à procura de uma praia...» Nada disso. «Anda à procura de um si onde faça sentido parar-se...»

Ando à procura de um eu onde faça sentido parar, é tudo. Um eu com mamas, se possível.

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No mar não há certezas. Há probabilidades: talvez, mojat buit, vielleicht, maybe, peut-être, forse... A indecisão é a única língua do mar. Talvez. Talvez um dia no fundo do dia haja um lugar que me espera.

Há, estúpido. Chama-se cova e não tem mamas.

29.1.20

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 29-01-2020

É quarta-feira e Palma pesa-me cada vez mais. O Bar Rita está fechado, suponho que para férias; a Tasquita fechada está, a S. foi à terra; a U. idem, mas à do irmão, que vive em San Diego; o Can Rigo fechado porque é quarta-feira; o Cala Seu porque fechou há meses, pressão imobiliária; no Moltabarra não se pode comer nem depois de uma greve da fome. Para coroar, o Antiquari está a abarrotar e ainda por cima de putos: demasiado barulho e demasiada beleza. Nada excita mais a velhice e a amargura num velho do que esta combinação de uma coisa irritante com outra inatingível. Não há Mount Gay mas já me habituei à merda do Barceló (num dia normal não é uma merda, isto acontece só hoje, prova provada de que nada é impermeável às condições de quem o observa).

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O P. continua a presentear-me com cheques-surpresa. Não há melhor igualizador do que o mar e os botes que nele navegam. Qualquer ideia de que "isto só acontece aos outros" é inexoravelmente desfeita, mais tarde ou mais cedo, seja por que método for. Felizmente o JW - querido JW - diz-me que não é grave. Ainda vou acabar a agradecer à Glória a lição: quando vires que alguma coisa não está a cem por cento, não acredites que se vai manter como está. Vai deteriorar-se.

Lição essa que conheço há pelo menos trinta anos, mas se mantem jovem e novel devido às duas primeiras características do marinheiro, já aqui referidas: a teimosia e o optimismo. (As duas seguintes são o pessimismo e a flexibilidade). A depressão fez uma racha no pé de um balaústre e dois dias depois aparece água a pingar não muito longe. O Stan (digo-lhe o nome porque os deuses devem ser nomeados) vai ter mais trabalho do que eu - e ele - prevíramos.

O que me chateia é que na expressão cheque-surpresa a surpresa é para mim e o cheque para a armadora. Acreditem se quiserem, mas isto dói-me como se fosse ao contrário. Ou mais, na verdade. É que chega a um ponto em que já nem sequer é uma questão de cheques ou surpresas. Transforma-se numa espécie de corpo-a-corpo, um diálogo de punhos fechados e olhos nos olhos entre nós e o bote. E ainda há quem acredite que um barco é um objecto inanimado.

Não é. É um ser vivo habitado simultaneamente por deuses e por demónios e nós não passamos de árbitros da luta entre eles. Luta sem fim, acrescente-se: deuses e demónios são imortais.

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Nada jamais em mim foi precoce, com a possível excepção de algumas ejaculações (todas o são, de qualquer forma, não há de que me desculpar).

Há, algumas, mas agora é tarde. De qualquer forma já as expiei o suficiente.

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Vou para casa, tratar da cera e do tempo. O coiso está a ficar bonito. Não sei é como o vou levar para casa, quando tiver uma, mas isso é outra história. 

27.1.20

Minúcias

Dias vazios, estes de viagem entre aeroportos. Dias cheios, ambíguos. As viagens de avião promovem irrelevâncias a postos importantes: a que horas é o próximo comboio para o aeroporto? Em que cais? Onde é a porta de embarque? O voo vai muito cheio? Conseguirei um lugar sem ninguém ao lado?

Mas entre irrelavâncias há tempo para pensar, para planear... até para escrever disparates no blogue. Oscila-se entre o banal e o importante subitamente, sem transição. Um altifalante diz-me que o avião me espera mas a vontade é pouca. Deixo entrar toda a gente. Daqui a menos de uma semana o ritual repetir-se-á e lá estarei de novo ocupado a promover minúcias. 

Costureiros do inelutável

Quando se luta contra o inelutável, sabe-se que se vai perder. Mas isso não nos impede nem de lutar nem de sofrer. Não deixa de ser estúpido, todavia. Não se deve enfrentar o inelutável de frente. Deve-se toureá-lo com mais ou menos graça, como um toureiro lida um touro, provocando-o e tentando esquivar-lhe os cornos. O toureiro sai vivo, quase sempre. Nós também: o que tem de ser tem muita força, mas nós temos ainda mais, não é? «Nous sommes tous des farceurs, nous survivons à nos problèmes», dizia aquele grande especialista das lutas perdidas.

Farsantes nem sempre é o termo adequado. Talvez desgraçados? Tentar vestir a desgraça com graça? Costureiros? Um traje de luzes em cima de um corpo todo esfacelado? Que se lixe. Venha a próxima, cá estaremos para a receber.

26.1.20

Curiosidade, poros

Deixo V. no aeroporto. Nunca gostei de despedidas e esta é uma das piores. Porém, o esforço para manter a porta aberta seria muito maior do que a dor de a fechar (e ambas incomparavelmente menores do que a da primeira despedida). Já em Antigua não senti nada disto. Ali tinha uma namorada e encarei a visita de V. como curiosidade: reencontrar aos cinquenta e poucos uma mulher que não via desde os dezanove anos de idade?

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De onde vem a tristeza que me sai por todos os poros?

Muletas

Já o corpo se avaria, todos os dias e em todos os sítios. Hoje é o cotovelo, ontem o tornozelo, amanhã que será? Pede-lhe a terra que o ponha no buraco, mas a cabeça resiste, diz que não, ainda é cedo, há tanto por fazer.

No dia seguinte, é a cabeça que se quer pôr no buraco e o corpo Não, isso é passageiro, vais ver, amanhã estaremos ambos melhor.

Duas muletas e um cadáver impaciente de tão adiado.

Diário de Bordos - Düsseldorf, Renânia do Norte - Vestefália, Alemanha, 26-01-2020

Düsseldorf é uma cidade chata, peganhenta: um gajo apega-se à Altstdat, ou ela a nós, àquele cheiro a fritos, barulho, àquilo que na Alemanha passa por desordem, ou liberdade. Falta-me a minha S., o Dr. Jazz, faltam-me quarenta anos a menos e um bocadinho mais de futuro.

Não me queixo do futuro que me espera, não poderia mesmo que quisesse. Podia era ter chegado antes, ao mesmo tempo que a S. e a Nauticatur e aquilo tudo que hoje é passado e nunca passou disso. Vá lá, tenho pelo menos uma sorte: vejo tudo aquilo em que acreditei, tudo o que sonhei acontecer: charter nos Açores, Portugal na Boot e - sobretudo - esta noção de que já não sou olhado como um ET quando falo do turismo náutico e da náutica de recreio.

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Noite em combustão lenta. V. dorme ao meu lado. Conheci-a há quarenta e três anos. Talvez seja daí que me vem esta vontade de ter menos vinte anos, não sei; e esta certeza de que estava certo desde o início. Não há melhor forma de simbolizar este círculo que se fecha, pois não?

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Na série coisas que não previ: o crescimento absolutamente exponencial do mergulho. E o dos desportos ligeiros: canoagem, kayaks, etc.

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Saio de Düsseldorf com um stock de choucroute e salsichas por um ano. Já de cerveja não: a daqui é levezinha, saborosa. Esta e a de Berlim são as minhas favoritas na Alemanha.

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O livro começou o seu penoso caminho nas livrarias. Daqui por uma semana ou duas estará em todo o lado. Agora é que vai ser.

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E esta pena de ver o charter, a actividade livre e nobre que eu conheci, transformada irremediavelmente em indústria, mais regulada do que a ida à Lua. Os governos de todo o mundo perceberam a sua importância e o seu potencial económico e isso desperta a besta que há neles, a sanha fiscal - os regulamentos não passam de um pretexto para sacar massa a quem trabalha e a produz.

25.1.20

Insónia

A noite insone acolhe tranquilamente os restos dos dias, como do cadinho o metal fundente se verte na forma. São muitos os dias e uma só a noite: tão cedo o sono não regressará.

A insónia é geográfica. Salto de S. Luis do Maranhão para Moçambique, daí para Lisboa, Montenegro, Suíça... Acontece até encontrar-me nos braços nus de uma senhora ou duas. Vagueio de país en país, de corpo em corpo, de ninharia en recordação e dali para o futuro.

O cadinho verte o líquido incandescente para a forma, mas esta não pára quieta.

23.1.20

Quem encomenda as bebidas?

- Beber ou foder, há que escolher. - Antónia estava furiosa e olhava-me com raiva como raramente lhe tinha visto.
- Querida, todas as fodas que dei em todas as mulheres que fodi foi a ti que as dei. Todas, sem excepção. Não há mulher que eu tenha ou me tenha levado para a cama, para um chuveiro, um pinhal, um beliche, uma praia, uma pensão rasca ou para un hotel de negócios que fosse outra se não tu.
- Ou seja, hoje não é comigo que estás nesta cama?
- Estou pouco habituado a este dilema. Antes era "Beber ou conduzir".
- Pois, meu querido. No próximo jantar bebes Castello, é muito boa.
- Queres dizer que vai haver outro jantar?
- Outro? Meu caro, vais jantar-me até precisares de um tripé para essa porra. - Olhou depreciativamente para "aquela porra" e acrescentou - mas quem encomenda as bebidas sou eu. 

18.1.20

Se ela morrer

Durante a maior parte dos seus quase sessenta anos, Antónia conviveu com a morte. Refiro-me à morte verdadeira, aquela que se pode cheirar e tocar, não à de "estive quase a ir desta para melhor" dito à mesa do café, com um sorriso e um olhar entendido, meio de esguelha meio a captar o de quem ouve. Antónia aceita pacificamente a morte - "já morri tantas vezes que mais uma menos uma não faz muita diferença" explica aos amigos.

Nunca, porém, alguém a ouviu uma vez que fosse dizer "quando eu morrer". Diz sempre "Se eu morrer". "Se eu morrer, lembrar-me-ei destes dois últimos anos para sempre e não sei como vou pagá-los."

Os amigos ouviam isto  e respondiam:
- Que disparate, não vais nada morrer agora.
- Eu não disse "agora".

Prisões

Se um dia me tirarem do mar, ponham-me por favor a viver na Waterstones de Picadilly. Podem mesmo prender-me aqui com correntes: não me sentiria preso, não mais do que mo sinto no mar.

15.1.20

Oscilações

Habituado desde criança a ler e a ouvir histórias de mar e marinheiros, aprendeu cedo a rejeitar a influência da sua vontade no mundo. «O que eu quero que aconteça e o que vai acontecer são duas coisas diferentes, que só pelo maior dos acasos - e das sortes - se sobrepõem», já pensava ainda antes de o saber formular. O que não o impedia, longe disso, de esperar o melhor, sempre. «Optimismo sem realismo é patetice», pensava (mas continuava a não saber formular). «Realismo sem optimismo é uma tristeza, tão triste que mais parece estupidez.» Incapaz de optar decididamente por um ou por outro, sempre oscilou entre estes dois pólos, antagónicos como a gema e a clara de um ovo e igualmente capazes de coabitar sem se misturar - até apanharem uma sova vinda não sabem de onde.

Já ele sabe muito bem de onde lhe chega a porrada que leva, mas a ter de escolher - ou melhor, a poder escolher - prefere a que apanha por excesso de optimismo. «O realismo não magoa ninguém, mas tão pouco dá grandes alegrias. O optimismo leva-me mais longe, apesar de as quedas serem maiores e mais dolorosas. Tal como o excesso de confiança nos outros, de resto: o que é bom dói mais quando magoa e oferece mais quando não.»

Na verdade, gostaria de ter a dose certa de cada um destes ingredientes e ser moderadamente infeliz a maior parte do tempo e moderadamente feliz o resto. «Viver assim, oscilando como um marinheiro bêbedo entre um whisky e a prostituta que lho serve», pensava nos dias tristes, «é um objectivo nobre, legítimo.»

Mas tinha os dois e as oscilações eram entre isso e a morte, não entre um pouco de uma e um pouco da outra.

14.1.20

Se tu

Atravesso a rua, um rio, um oceano. Do outro lado, na outra margem, no outro passeio espera-me a vida nova, outra vida, outro passado.

Esperar-me-ia, se tu lá estivesses.

Com sorte

Digo "Amar-te-ei sempre, para sempre, inteira e só tu". Digo-o muitas vezes, é uma incantação, a crença naquela crença absurda de que as palavras moldam a realidade, lhe dão forma.

Não dão, claro. Com sorte, descrevem-na e mesmo isso é difícil. Com sorte, não me sinto ridículo ao dizê-lo, porque o digo a ti, só a ti.

Diário de Bordos - Mértola, Alentejo, Portugal, 13-01-2020

Subo a rua para casa. Un grupo de crianças brinca, corre para cima e para baixo como se a rua só descesse, não subisse. O silêncio é o de sempre: sólido, corpóreo, tangível. As brincadeiras dos miúdos não o desfazem. Brincam, gritam, correm à frente dele como se fosse o cenário de um teatro.

Dar cabo disto devia ser passível de pena eterna, num quarto sem saída, a ouvir reggaeton, José Mário Branco e o Fanhais até ao fim dos dias.

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Jantar no Tamuje: ensopado de galo-capão, acompanhado por um Balanches tinto, vinho adstringente, encorpado  mas fino e equilibrado. O fim de boca prolonga-se até ao gole seguinte e acumula-se com este em camadas quase identificáveis desde a primeira.

Se um dia a minha ideia for para a frente, vai ser preciso reservar uma mesa com três meses de antecedência. Ou então, pedir-lhes para fazer como na Hofbräuhaus e terem mesas reservadas em permanência para os clientes habituais.

O problema é que a Hofbräuhaus é pelo menos cem vezes maior.

O Tamuje tem a virtude de me comover às lágrimas praticamente cada vez que lá vou comer. Há de certeza um céu para as cozinheiras e a senhora que manda naquela cozinha tem nele um lugar reservado, "à direita de Deus Pai" (aspas porque cito outro Pai, o meu). E o senhor M. irá para o dos donos de restaurantes,  que não sei se é o mesmo.

Sejam ou não, espero que os façam esperar muito tempo, que os céus podem - e devem.

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Três graus positivos. A casa não está equipada para este frio. Acho mal terem acabado com o aquecimento global e terem-no trocado pelas alterações climáticas, uma chacha que tem a vantagem de todas as chachas: serve para tudo. A imprecisão é a bengala da mentira.

E custosa: aposto que esta noite me vai sair caríssima, com o aquecimento eléctrico ligado em permanência. Ver se me lembro de encomendar lenha para a próxima vez, sempre aqueço a casa e aqueço o planeta. Ou seja, dou asas ao meu legendário altruísmo e, por uma vez, beneficio com ele.

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Os livros acumulam-se no armário. Tenho de mandar fazer prateleiras e trazer para cá os que ainda estão em Évora, que são todos.

Antevejo semanas de gozo a arrumá-los - para semanas depois os ter de pôr em caixas outra vez? Espero que não. A casa é pequena mas vai ter de aguentar-se até encontrar uma maior.

Amanhã não será a véspera desse dia.

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Almoço com A. Há pessoas que não saem das nossas vidas mesmo que passemos anos sem as ver. A razão é simples, claro: fazem parte de nós e se saíssem seria como se nos arrancassem um braço. (O direito, preciso.)

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Próxima etapa: Londres. Estou farto de aviões, mas é impossível não reconhecer que se não os tivesse tão presentes estaria ainda mais farto.

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Depois: Düsseldorf. Por onde andará a S.? O Dr. Jazz fechou, isso sei. Tantas horas lá passávamos os dois, sentados nas escadas, a beber cerveja e a beijarmo-nos como se sem nós o mundo, a cerveja acabassem no dia seguinte. Ou nós...

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Não acabamos, nunca acabamos, pelo menos enquanto as pessoas que são parte de nós continuam parte de nós.

(Para a A., com o beijo que começou em Oeiras e ainda não acabou.)

12.1.20

A mesma coisa

Não sou de mais ou menos, querida. Sou de tudo ou nada. São a mesma coisa: ou morres de fome ou morres de enfarto.

11.1.20

Tempo, denso e doce

Estou na Tasquita a beber um café e uma aguardente. São dez da noite, jantei deliciosamente no La Juanita, amanhã vou a Lisboa, depois a Mértola,  Londres e Dusseldorf, tive um dia normal, nem muito cansativo nem chato.

Cravo um cigarro à S. e vou lá fora fumá-lo. Estico-me em altura. Não é espreguiçar-me - se alguém estivesse a olhar para mim não veria o tempo a escorrer-me pelos ossos, denso e doce como mel por uma colher.

9.1.20

Milagres

Um casal jovem decide mudar de país e metade do mundo acha-se na obrigação de comentar. Podemos dizer o que quisermos da monarquia, mas esta capacidade de transformar água em vinho está ao nível da do outro.

Gamoneda: ver o que não se vê

Encontrei as obras completas de Antonio Gamoneda, uma edição da Galaxia Gutenberg de Setembro de 2019. Pizarnik ensinou-me a olhar para a dor; Gamoneda, a ver o que não se vê.

«Como música de la que aun permanece el silencio siento tus manos en mi.

Tus manos lejanas.»

Todos os lados do que não se vê,

«ESTOY CANSADO. Cansado de mí mismo; de mi enemistad comigo mismo,

y de otros acidentes, y de algunas miserias.

...»

«...
Que sed de desvario, que sed

«...
Mañana, si es, será otro dia.»

«...
Sí, hé despertado otra vez para desconocer.
...»

Os tons diferentes da verdade

«Tu bebes muito» é uma frase que oiço frequentemente, mas em tons diferentes: crítico, admirativo e grato. Este último é o mais honesto: é o dos donos dos bares.

Fragmento

"...Às vezes penso escrever-te; outras não. Podemos resumir isto assim: às segundas, quartas e sextas quero escrever-te; às terças, quintas e sábados pergunto-me se devo dizer-te para ficares em minha casa. Mas então aparece a pergunta: «se eu não lhe disser isso, que direi?» E todas estas perguntas vão para domingo, um dia que dedico a permitir-me tudo e o seu contrário sem cair em dissonância cognitiva.

Seja como for, resolvi quebrar este círculo aparentemente inquebrável. a) Escrevo-te numa quinta-feira (muito jovem, mas quinta); b) Digo-te que realmente não sei o que sinto, mas isso não data de hoje; c) Não te digo que devias ficar; d) Não te digo que não deves ficar.

Uma coisa sei de ciência certa: não contes comigo para ser a locomotiva do que quer que seja.

Isto é: a quinta-feira olha-me, jovem; as velas queimam, avancei três páginas no livro que estou a ler; comi duas tangerinas - duas! - e escrevo-te (...). Agora vou dormir.

Talvez o sono estivesse à espera de que as palavras saíssem, como se estivessem a ocupar o seu lugar. Gosta de salas vazias e não delas mobiladas, com bagagem antiga e coisas deixadas ao acaso por todo o lado, cheias de memórias e de planos para o futuro. «Planos» sendo um sinónimo até este momento desconhecido de «dúvidas.»"

8.1.20

Dias, fractais

Os meus dias são um fractal da minha vida: altos e baixos, roller coaster, dents de scie, do Everest à fossa das Marianas e regresso - não só todos os dias, mas várias vezes por dia.

E ainda há quem se admire de eu andar tão cansado e tão feliz.

7.1.20

Jogar à parede

Quando aprendia a jogar ténis,  a parte de que mais gostava era jogar à parede.

Foi um excelente treino para a vida afectiva, mais tarde. Ou para a vida, simplesmente.

Lágrimas, lupa

Não está ainda provado, mas é possível que as lágrimas tenham um efeito de lupa quando se olha para a vida através delas.

Sejam de tristeza ou de alegria: tudo nos aparece mais nítido,  mais próximo. 

Dedos, olhos

Gosto demais de ti para conseguir falar-te sem te ver, sem te tocar. Os dedos e os olhos têm mais significados do que um dicionário inteiro debitado - e ouvido - lentamente.

A cozinha dos dias

Hoje apercebi-me - admitidamente com um certo atraso - de que a minha cozinha não passa de um reflexo dos meus dias. Um bocadinho disto, outro daquilo, à última da hora acrescenta-se o sal ou a pimenta ou um pouco mais de vinho... A diferença é que quando cozinho sou eu o cozinheiro e quando vivo não.

[Adenda: tudo isto por causa de uns parafusos de porca nas chapas de arreigada que vão ter de ser mudados. Já tive o pau em baixo (salvo seja) duas vezes; por que raio de carga de insondável mistério é que isto só agora se viu? Não sei. Sei. Não sei. Sei. Felizmente não vou precisar de desarvorar - não o faria, se precisasse - mas porra, ele há mistérios.]

Paciência, amizade

É preciso traçar uma linha muito clara, intransponível, entre a falta de paciência e a amizade. São dois territórios distintos, impermeáveis um ao outro, por muito que a falta de paciência se disfarce de tsunami, ciclone, enchentes e a amizade pareça desaparecer, levada por uma placa tectónica durante um tremor de terra.

O que posso ser

As mulheres são o que são; os homens, o que podem. Não há muito por onde fugir a este facto simples e básico da biologia, excepto talvez quando um homem tenta ser o que é ou uma mulher o que pode: elas ganham, nós perdemos. Isto é, até há homens - o Popeye é um exemplo que me salta imediatamente ao espírito - que "são o que são e é tudo o que são" (é ele o "autor" da frase). Talvez, mas depois comem espinafres o resto da vida e vão para a cama com uma trinca-espinhas de carrapito e nariz empertigado.

Sejamos então aquilo que podemos ser e lembremo-nos de que já é muito; a mais não somos obrigados. Elas que sejam o que são. 

6.1.20

Noite, mundo novo

Assim termina esta longa e feliz noite: sabendo que amanhã tudo será igual, tudo será diferente. O mundo recomeça cada vez que se acorda e não acaba enquanto não se adormece. Nunca completamente igual nem inteiramente diferente.

Beauté, prison

Il traînait sa solitude derrière lui comme une reine du moyen-âge son voile de mariée: les autres n'en voyaient que la beauté, lui en savait la prison.

5.1.20

Sem olhar para trás

A ideia original era falar de conflitos escondidos, não era? Ou visíveis, já não me lembro. Foi há tanto tempo. Hesito. Hoje digladiamo-nos sobre tudo, menos sobre aquilo em que divergimos completamente.

Para essas coisas, acordámos silêncio. Compreende-se, não é? Aos sessenta começa-se vagamente a perceber que a luz ao fundo do túnel é o comboio. Um dia, essa percepção deixa de ser vaga e transforma-se em certeza.

Certeza não é a palavra certa. Há um ímpeto em certeza que nesse dia está ausente. Resignação tão-pouco é correcto. O termo certo anda aí pelo meio, algures entre certeza e resignação.

Que se lixe. Um dia vemos a luz, sabemos que é o comboio apesar de ainda não o vermos e tratamos de fazer com que o encontro seja o menos chato possível. Que seja natural, por assim dizer, como um copo de vinho que se acaba, um parêntese que se fecha, um olhar que nos diz au revoir sabendo perfeitamente que não há revoir nenhum.

No fundo, tenta-se responder à pergunta "que fiz eu desta noite?" sem olhar para trás. 

Quem não sabe ver

Ontem fui acusado por uma senhora que não me conhece - ou conhece em segunda mão, mal ou só do que escrevo - de estar "cheio de ódio".

Não estou. Antes pelo contrário: transbordo de amor. Todas as formas de amor: entregue, perdido, retribuído, não retribuído, filial, paternal, fraternal, lascivo, seco, platónico... Sou um poço de amor.

Só quem não sabe ver não vê isto.

Dispersas

Fragmento

«Apetece-me falar contigo e ceder a este desejo é um erro porque falar contigo tem um monte de sentidos. Melhor escrever-te, porque escrever evoca as mesmas coisas mas mais devagar. Mais realisticamente: o aparo no papel, o dedo na pele, palavras inaudíveis.

...»

.........
Gosto do bar España. É um daqueles sítios em que a decoração é a mesma há cinquenta anos, os preços não mas pouco menos, os funcionários um pouco mais e os clientes - salvo uma ou outra excepção - também. Um bar para quem vive tão bem no passado como no presente. Pertence àquela categoria de sítios a que chamo Resistentes, Não se vergaram ao gourmet, não vergam a espinha à assepcia corrente, não se vergam. São o que são e é tudo o que são.

Não que eu tenha uma especial atracção pelo passado. Não tenho. Tenho, isso sim, pela resistência, pelo carácter, pela imanência. O catavento é um instrumento fundamental na minha vida profissional, mas nunca disso passará.

Não sei se Hemingway esteve alguma vez em Palma, mas vejo-o ao balcão do bar España cada vez que aqui venho. Nunca lhe falei, mas só porque sou tímido.

.........
Notas confusas

Meti-me no primeiro eléctrico que passou, deixei passar um número conveniente de paragens, desci e entrei no primeiro café que me convidou a entrar. Alguns convites não se recusam. Descubro mais tarde que é o café mais cool de Munique. A história é longa, mas pouco original: vieram sentar-se à minha mesa - gosto deste hábito - e desde aí foi sempre a subir. Acabou na cave de um teatro a ouvir uma banda de jazz que tinha um baixo sublime. Tinha programado engrossar-me devagarinho; depos apareceu-me trabalho e decidi não me engrossar. Com estes quatro os planos foram para o galheiro

(...)
Pouco importa. Deixemos de lado estas divagações inúteis. O cafe onde vim parar chama-se Baader café (sic) e fica na Baaderstrasse. Estou perto do bairro bobo onde estive ontem...

[...Pausa...]

Os meus planos de não me engrossar foram substituídos por outros: o plano «O que for, será.»

Bon, reprenons-nous.

...........
Lindau

Troquei um dúvida por uma certeza.

3.1.20

O saber e nós

Os portugueses têm uma relação estranha com o saber. Por um lado, devemos ser o único povo do universo que tem uma expressão como "um burro carregado de livros". O saber teórico não nos entusiasma.

Mas quando aparece alguém com um saber empírico, feito de experiência e prática desconfiamos dele porque não é da nossa cor politica, não tem título académico ou não é da nossa classe social.

Na verdade, o que une estas duas atitudes é o horror ao saber, tout court.

Venha ele de onde vier.

2.1.20

Diário de Bordos - München, Bavária, Alemanha, 02-01-2020

A melhor forma de resistir às tentações é ceder-lhes, dizia o Oscar que acabou mal por ter cedido a todas, sobretudo às erradas (para quem então mandava, claro, isto de erradas ou não é como o resto, mudam). Eu descubro outra, mais eficaz ainda: não ter dinheiro. Felizmente tenho-o para as pequenas e não para as grandes e com isso confirmo que não fui feito para viver fora de cidades grandes, onde a cada esquina há uma papelaria com bom papel, uma livraria inglesa com «The Mirror of the Sea» do Conrad, maravilhosa e irresistivelmente ilustrado, com lugares como este onde agora escrevo - chama-se The Lost Weekend, é um lugar para estudantes universitários (à porta somos acolhidos com um dístico: «Love kills capitalism», assim mesmo em inglês, qu'isto de matar o capitalismo ou é na sua (dele) língua ou não é) - um restaurante como o Laden (ou Läden, ou coisa que o valha) [Zumladen, Turkenstrasse 37] onde comi uns gnocchi maravilhosos (infelizmente o vinho também era muito bom, um tinto austríaco leve, aéreo e caro).

Este país não é para mim: até o caos é organizado. Felizmente começa a haver excepções àquela regra de não atravessar a rua com o sinal encarnado - ainda somos uma minoria, mas pelo menos já não sou o único. Não consigo perceber o que leva adultos estatisticamente inteligentes a pensar que um sinal sabe melhor do que eles quando podem ou não atravessar uma rua. Há vinte (tosse... trinta) anos era apupado quando desrespeitava os sinais. Agora é comum ver duas ou três pessoas - incluindo-me - a confiar nos seus olhos e no seu julgamento e ninguém grita ou apupa. Pode ser que daqui a uns anos até o caos deixe de parecer organizado.

Espero que não. O mundo precisa da Alemanha como ela é.

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Vou ao supermercado comprar Ziplocs. Pergunto na caixa, a rapariga não percebe, não sabe, acaba por decidir que não têm. Atrás de mim uma outra jovem, pouco menos de trinta, explica-lhe, em alemão. A senhora da caixa continua a dizer que não há. A cliente diz-me «Espere, eu pago e vou consigo.»

No caminho explica-me «Nem alemão sabem falar correctamente...». e leva-me a uma prateleira cheia de Ziplocs. Compro os errados, claro, mas pelo menos agora sei como se chamam aqui.

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À minha frente tenho uma cena que me transporta para o Jules et Jim, em mais novo e com personagens mais feias, mas igualmente alegres. Mulheres mais bonitas do que a Jeanne Moreau não se encontram num café de estudantes que propõe matar o capitalismo com amor, eu sei.

Confirmo o que disse no outro dia: a beleza é a verdade, reside na verdade e estes três são verdadeiros, são bonitos.

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«Fortunately, nothing can deface the beauty of a ship.» Joseph Conrad, in The Mirror of the Sea.

Percebem o que quero dizer? «A ship anchored in an open roadstead, with cargo lighters alongside and her own tackle swinging the burden over the rail, is accomplishing in freedom a function of her life.» Se não perceberem, não faz mal. Penso que é preciso ter vivido isto para perceber mais longe do que a elegância do inglês do senhor. Verdade seja dita, esse inglês é suficiente.

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Jules e Catherine foram-se embora. Ficou o Jim. E eu, com o meu Syrah sul-africano, os meus sonhos - Mértola, P., Moura, livro(s), Ler por aí..., casar-me e ter fihos, ler tudo o que me cai nas mãos, escrever tudo o que me vai pela cabeça - e a noite, que cai devagar, já caiu, coitada, não tropeçou sequer, chegou como as penas do badminton, como algumas penas que se esperam e mesmo assim aparecem onde menos se esperam, tal como outras aparecem onde são esperadas. 

1.1.20

O prazer no texto

«O autor encara com cepticismo esta crença de que a combinação de temperaturas mornas com nevoeiro e chuva é melhor para a cura da tuberculose que o frio seco da Montanha Mágica de Thomas Mann, mas é possível que o seu cepticismo provenha de razões literárias.»

«... - Hester Johanna é psiquiatra, porque, como já todos terão adivinhado, faz falta a esta narrativa alguém que se dedique a problemas da psique.»

Se, como disse alguém cujo nome não recordo, um bom escritor é aquele que confia na inteligência dos seus leitores, um bom leitor é aquele que se delicia com a inteligência do autor? Ou com esta mistura de inteligência, talento, ironia, justeza, finesse a que alguns chamariam génio e eu chamo Paulo Varela Gomes (o que não exclui o predicado, claro)?  Paulo Varela Gomes não escrevia, burilava narrativas.

Hotel já me tinha deixado abismado; este Passos Perdidos que agora leio leva-me às raízes do prazer da leitura, de que andava tão arredado. Desde The sea, the sea que não me lembro de um arrebatamento destes.

Passos Perdidos, Paulo Varela Gomes, ed. Tinta-da-China, Lisboa 2016.

Palavras sentidas

A verdade é que tenho com o frio uma relação de amor-ódio. Três partes de ódio e uma de amor.

Vim a pé do restaurante Faun - bastante aconselhável, de resto - para a Marienplatz, apanhar o comboio que me levará ao hotel.

A temperatura é de um grau abaixo de zero e a esta hora não há sol. As ruas estão frias (e desertas, mas isso é irrelevante) dos dois lados. Chego à estação enregelado, engano-me no sentido do comboio, volto para trás. A zona dos cais não está aquecida; felizmente as esperas são curtas. Ponho-me a escrever enquanto espero: é a minha forma de resistir. As luvas são fraquinhas mas ajudam e sem elas vê-se - sente-se - a diferença... Para escrever tenho de tirar a da mão direita.

Chama-se a isto Palavras sentidas. E breves.

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Fiz os novecentos e cinquenta metros que me separavam da estação a andar depressa: o frio aligeira-nos. Como se nos aliviasse, não é?

A problemática do frio em carta a um amigo

A problematica do frio, meu caro M. é complexa. Começa com duas variáveis: a) a temperatura exterior e b) o tempo de exposição a ela. No meu caso, forçoso é reconhecer ser pouco frequente estar numa situação em que estas duas variáveis se adicionam de uma forma insustentável. Ou seja: não trago parka nem luvas apropriadas devido a uma rigorosa análise custo - benefício (em que aquele predomina sobre esta, é verdade).

Porém, as estas outras se juntam. Por exemplo, a praxis. Hoje, com uma temperatura de cinco graus positivos dispensei as minhas luvas de couro (maciíssimas e lindas, mas não muito quentes) mais de vinte minutos. Se te disser que normalmente calço as luvas com temperaturas iguais ou inferiores a treze graus realizas o impacto da prática. A análise custo-benefício tem agora três variáveis. Vai ficar-se por aqui?

Não! Que horror! Quem se satisfaz com problemáticas simples? Imaginemos que aqueles três parâmetros se conluiavam para me forçar a adquirir um par de luvas quentes (e uma parka idem). Que se passaria? O meu espírito levar-me-ia imediatamente para o volume disponível nos meus sacos de viagem, dois, suficientemente pequenos para serem trazidos na cabine, Infelizmente estão cheios.

Isto dito, penso imediatamente na próxima barreira: o meu desgosto profundo por fazer compras, ainda por cima sem o conselho avisado de uma senhora ao meu lado. Situação inextricável, como vês. Só me resta refugiar-me nos bonitos cafés desta cidade, beber cafés e obska (não sei o que é, mas é bom), olhar para as pinturas no tecto e para as senhoras (bonitas mas não tanto como em Palma ou em Genebra), lembrar-me com prazer do jantar em que nos conhecemos e do almoço nas instalações do jornal onde trabalhavas e desejar-te - do fundo do coração - que tenhas um bom ano e que tudo te corra bem.

PS - podia continuar a adicionar complicações, mas nem tu nem eu somos relojoeiros suíços.