Desenrolemos da frente para trás - assumindo, claro, que a frente é agora, é estar sentado no avião de Barcelona para Palma num lugar de saida de emergência pelo qual tive de pagar treze euros, apesar de a companhia dizer que seriam doze e eu não querer pagar nenhum. Apanhei este voo com uma classe digna de um Bond, James. Não precisei sequer de correr. O avião de Madrid para Barcelona estava quarenta minutos atrasado e este vinte. Junte-se a esta feliz conjunção a proximidade das portas: desembarquei do um pela B63 e o seguinte saiu de B55. Quatro portas de diferença (e não oito como se poderia pensar, já que estão organizadas por ímpares de um lado e pares do outro). Tão perto que tive tempo de receber a factura da entrega do carro e mudar a massa toda para o outro banco: este aluguer foi um barrete que enfiei até aos calcanhares. Bom, tinha viseiras para os olhos: sabia que ia ser embarretado, só não sabia era a extensão do desastre, a minúcia com que o alugador de automóveis e o "intermediário" - obviamente conluiados - extraem a massa aos clientes atraídos pela etiqueta low-cost. Pelo menos para se pagarem desta última golpada terão de falar comigo.
Antes: magnífica viagem de Lisboa para Madrid no tal carro da discórdia (refiro-me à minha discórdia existencial, a incurável incompreensão perante a desonestidade, a aldrabice, que de todo não se coaduna com a facilidade com que sou enganado, mesmo quando sei que o vou ser. É vertiginosa.) Os passageiros eram um casal relativamente jovem, ele antropólogo, professor universitário, cineasta, fotógrafo, leitor vasto e atento. Ela bela adormecida: dormiu a viagem toda. Sempre é melhor do que bruxa acordada. A verdade é que foi uma das conversas mais agradáveis dos ultimos tempos. Quase lamentei ter de os deixar em Madrid. Falámos de tudo e mais alguma coisa, da atomização da sociedade à literatura passando pela esterilidade do moralismo no debate de ideias, pela antropomorfização dos animais, trocámos sugestões de livros e saímos da viagem inesperadamente felizes.
Antes: viagem rodoviária por terras portuguesas: fui à Vala Real, onde está o Palácio (ou melhor, as respectivas ruínas) das Obras Novas, a Valada, a Torres Novas. Tudo isto, salvo o regresso, por estradas secundárias, terciárias, caminhos e por aí fora. Portugal é um bocadinho de África que emigrou para a Europa, qual jangada de pedra. Acreditem.
Antes: dias soberbos com a S. e a H.: praia, Ericeira, almoços de marisco e jantares de peixe, zangas domésticas e conversas familiares. Nada a dizer, com a possível excepção de reconhecer que tenho muita sorte (e já tive mais).
Antes: almoço com a fratria quase completa. Ditto.
De maneira agora bebo um copo de vinho na Volta Dos, depois de ter ido jantar a Santa Catalina, a uma tasca nova que popr lá abriu. A mesa ao lado só falava de Lisboa, de Portugal, de como uma das miúdas era portuguesa na alma (mas só na alma, que no resto era espanhola até à medula).
Ou seja. de volta. A viagem foi longa, chata, linda, bonita... Quando desembarquei pareceu-me que tinha saído daqui há mais de um ano: bom sinal.
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- Como estás?
- Bronzeado, gordo e cansado. Mas já estive mais de cada um deles.