Procuro as traduções portuguesas de butoir e de arc-bouter e não encontro nada de satisfatório na net. O Grande Dicionário Francês/Português Domingos de Azevedo, da Bertrand, edição de um pouco antes de Cristo não é grande coisa mas ajuda. Para butoir dá batente de portão. Seja de portão, se quiser; mas não é só. Date butoir, por exemplo, é data limite, prazo, em inglês deadline. Para arc-bouter está mais longe: "entesar-se fincando os pés no chão". Não é nada disso, Domingos. O que tenho em mente é o corpo da --- com os pés bem apoiados na cama, a cabeça na almofada e o resto todo no ar, fazendo um arco perfeito, entesado e musculado sim, mas curvo, Domingos, todo curvo, butoir perfeito para outro corpo entesado, Domingos, mas esse tão pouco tinha os pés no chão, estavam bem perto dos da --- e o resto estava apoiado nos braços, Domingos, nos braços, só linhas rectas neste, contraste perfeito com as curvas e a curvatura do outro, mas disso não há dicionário que fale, só o da memória talvez, o do devaneio, o do desejo.
Tudo isto começou com date butoir, data limite, prazo final, que é daqui a um mês e daí vai um salto até arc-bouter, que foi há treze ou catorze anos, as palavras dão saltos redondos como o "o" de arc-bouter, ausente de butoir mas isso é irrelevante. É tão bonito, arc-bouter, era tão bonita, a --- arc-boutée, raide comme un arc-boutant de cathédrale, une prière à deux, Domingos, como eu agora rezo para que a date butoir seja verdade e não mais uma dessas miragens que têm sido a minha companhia, aqueles cabelos loiros espalhados pela almofada como raízes de uma árvore caída na cama, como é que uma simples letra pode ser uma máquina de viajar no tempo, Domingos, tu sabes?
Como é que uma simples letra consegue acordar-me, tirar-me do sono e do quente, do peso dos cobertores para te ir consultar, já não te abria há tantos anos, Domingos? E voltar atrás, partir de butoir e acabar em arc-boutant, partir de um calvário cujo fim está à vista para uma festa, uma catedral, um contraforte, um amor?
Os amores são como as viagens: têm princípio mas não têm fim. E como as catedrais, que têm contrafortes mas não têm limites.