25.4.24

Diário de Bordos - Marigot, Saint-Martin, DOM-TOM França, 25-04-2024

Apanho o "autocarro" para Cole Bay. Uma carrinha daquelas de vinte lugares, com ar condicionado e música decente. Um euro e meio (ou dólar, se isto não mudou a taxa é de um para um). Penso nestes países híbridos, mistura de norte e de sul (para simplificar). O meu favorito é Porto Rico, que tem aquilo que me parece ser a melhor proporção de cada um deles. A seguir é St. Martin. Passo por cima das ilhas Virgens (US e B), da Jamaica e, hesitantemente, do Panamá, um país que é preciso aprender a amar, que não se dá, antes se recebe.

Reencontros: Lagoonies e Jim (ele não se importa que eu o nomeie). Um dia cheguei a St.-Martin de avião, em Outubro, com pouquíssimos cêntimos no bolso, convencido de que encontraria trabalho no dia seguinte. A ilha estava vazia. Pontões desertos. Ninguém em lado nenhum. Telefono ao Jim a dizer-lhe que se ele soubesse de alguém, etc. A canção é sempre a mesma, só muda o ritmo. Veio ter comigo à marina Royale, que agora está fechada. Começou por tirar quinhentos dólares da carteira e deu-mos. «Toma, isto é para não andares aí sem dinheiro.» Depois: «Tenho o CHEERS em Antigua. Preciso de mudar os machos de fundo. Podes fazer isso?» «Posso, claro». «Ok, vou comprar-te o bilhete. Encontramo-nos aqui às cinco da tarde». Eram para aí duas ou três.

Cinco da tarde: «Toma. tens aqui dois mil e quinhentos dólares  [ou três mil, não me lembro]. Trocas todos os machos de fundo e ficas com o que sobrar. Se não chegar dizes-me. Vais amanhã para Jolly Harbour, já falei com a marina e eles estão avisados.» Era no tempo em que eu não tinha conta no banco. Troquei-lhe os machos de fundo, poucos dias depois a minha filha chegou e logo a seguir arranjei um trabalho para ir a Providencia buscar um 40.7, a partir do qual fiquei em Antigua a fazer day charter e miles building.

Dantes havia hobos que vagabundeavam em comboios. Eu vagabundeio em embarcações de recreio. O princípio é o mesmo: vamos para onde os comboios nos levam, mas escolhemos os comboios.

PS - Trocar os machos de fundo não foi pêra doce. O CHEERS - um magnífico Wauquiez 42 vítima de um ciclone há pouco tempo - tinha alguns trinta anos e eram todos de origem. Mesmo assim sobrou bastante dinheiro. Telefonei ao Jim: «Jim, o que sobrou é muito, contando com os quinhentos que me deste aí. Posso devover-te uma parte?» A resposta não foi «Está calado e cala-te» mas andou lá perto.

(Cont.)

Primeira vez

Chego a Marigot e descubro que amava esta cidade muito mais do que pensava. Quantas vezes já isto me aconteceu - com cidades, mulheres, livros, filmes, sei lá que mais?

E logo a seguir, penso quanto gostaria de chegar aqui, outra vez, pela primeira vez.

Quantas vezes cheguei a Marigot? Não sei e não quero saber. Só quero chegar aqui outra vez, pela primeira vez.

(Post interrompido pelas circunstâncias)

O vento caiu completamente, o que é normal porque estou no lado de sotavento de uma ilha. No caso, Dominica. Até aqui a viagem tem sido um sonho. Tive vento, o S. D. anda bem, o tripulante é impecável (o único azar é não ter ainda apanhado um professor como eu, mas isso tem cura).

Penso nesta época, que tantos altos e baixos teve. Do ponto de vista financeiro foi uma catástrofe. Da carcaça não sei que dizer, mas penso que o mais apropriado será fazer uma grande vénia de agradecimento ao "melhor SNS do mundo", que me pôs nos braços competentes da Dra. C. D., cirurgiã na Martinica. A cura está a levar mais do que o que devia, é tudo. Não há bela sem senão. Basta porém comparar-me com o que estava há três meses e as vénias passam a duas. O S. D. deu algumas chatices, claro. Que seria de uma embarcação sem surpresas?

Se há uma área da qual não me posso queixar é a da convivência com o meu filho. Só isso chega para me tirar todas as dúvidas e mais alguma: foi uma época fantástica. 

.........
Aliás, uma época que se termina com um almoço como o de ontem só pode ser assim. Pena não estar capaz de a descrever: está a entrar vento e preciso de olhar para outro

24.4.24

Diário de Bordos - Marigot, St.-Martin, DOM-TOM França, 24-04-2024

Sinto-me como se houvesse em mim uma porta giratória: por um lado entram as dores, pelo outro saio eu. Regresso eu, saem elas. (Esta é a parte wishful thinking. Não é assim que as coisas se passam. Quem decide é a carcaça, não sou eu...).

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Mal cheguei fui passear por Marigot,  Começo por dizer que «passear» é um exagero grosseiro. Arrastei-me por Marigot e confirmei duas coisas: a) gosto infinitamente mais de St. Martin do que da Martinique; b) Se voltar a passar uma época nas Caraíbas será aqui.

Há mais guito do que no Marin. A cidade é mais bonita, está limpa, há menos obesos nas ruas, os preços são mais baratos, há mais escolha em tudo. Claro que uma verdadeira comparação exigiria que ficasse aqui três meses. Deixemos as verdadeiras comparações de lado e fiquemo-nos pelas primeiras impressões. 

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Escrevo estas linhas (escrever é um exagero grosseiro: bato semi-aleatoriamente nas teclas e às vezes acerto na que quero) no Centr'Hotel, um dos primeiros sítios aonde fiquei as primeiras vezes que vim a St.-Martin. Foi renovado, tem um bar chique (o mai tai está bastante bom) e pergunto-me se quero verdadeiramente ir jantar fora ou se volto para bordo dormir tudo o que não dormi nestes últimos dias. A sesta de hoje não chegou, nem pensar nisso.

O bar tem um spray anti-mosquitos. O velhinho Off. Rousseau era um idiota. A civilização, meu caro Emílio, nunca fez mal a ninguém. Muito antes pelo contrário: só faz bem e nunca há que chegue. 

Enjoo de terra. Hei-de navegar duzentos e cinquenta anos e tê-lo-ei como tive a primeira vez que dele me lembro, em Lourenço Marques, a subir as escadas para casa da tia Luísa A. Tive de me agarrar ao corrimão, pareceu-me que ia cair. Hoje de manhã aconteceu-me a mesma coisa e agora volta. Parece uma vingança: no mar não tenho o mais pequeno sintoma de enjoo e mal chego a terra vejo tudo a abanar. 

O mai tai não está tão bom como inicialmente me pareceu. Tenho de voltar a Oakland para beber um decente. (Passo a minha vida a correr atrás da excelência e tudo o que consigo apanhar é a primeira sílaba: ex.)

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Se um dia tiver de fazer um inventário deste inverno, o tripulante que me saiu na rifa vai para os três primeiros lugares do topo da lista das coisas boas que me aconteceram na vida e não só este Inverno. Vou beber um shot de Mount Gay à saúde do rapaz.

Romaria em Marigot: Arhawak, Centr'Hotel, Bistro (sic) de la Mer e a incontornável Paula do Sous Marin. A padaria aonde ia tomar o pequeno-almoço agora é a livraria papelaria aonde comprava tinta para as canetas. E livros, claro. É uma boa livraria.

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A porra da mesa continua a abanar como se estivesse no mar e a música é horrível, como Sempre em todo o lado.



(Cont.?)

Diário de Bordos - Ao largo de St. Kitts, Ilhas de Sotavento, Caraíbas, 23-04-2024

Duas noites seguidas como esta e um gajo fica a pensar que não vai conseguir deixar de navegar antes dos cem anos. Lua cheia, força cinco a um largo, o S. D. a voar baixinho à estonteante velocidade de quase oito nós (isto é piada privada para o meu amigo K., a quem dedico o post), St. Kitts pelo través de bombordo toda iluminada, bonita, a fazer esquecer que é a única ilha mortalmente aborrecida de todas as Caraíbas, visibilidade excelente, Saint-Martin a sessenta milhas, um tripulante a quem hoje disse que não sei o que vou fazer quando tiver de navegar sem ele. Antigamente dizia-se que um bom dia de mar vale por dez maus. Uma noite destas - ainda por cima logo à seguir a outra igual - vale por dois séculos de chatices. O bote é bonito, confortável, anda bem (excepto a manobrar: parece um camião com três dos quatro eixos bloqueados) e para os amadores do género é uma óptima recomendação. Eu prefiro coisas mais finas e desportivas, mais sensíveis, por assim dizer, daquelas que estremecem só de olharmos para elas. 

(Pergunto-me quantas nódoas negras teria agora, feitos três quartos da viagem, se estivesse no P.) 

É verdade que o dia foi chato. Ou melhor, alternadamente chato e sublime. Mas uma noite destas - enfim, duas seguidas - trituram tudo o que possa haver de seca até está ficar irreconhecível. Nada que desague nisto é uma seca. Rigorosamente nada (piada privada para mim).

Nem sequer esta combinação de cirrus estratificados e Lua cheia que me impede de ver as minhas estrelas favoritas: Orion, Gémeos, Sirius - há pouco pareceu-me tê-lo visto de fugida mas desapareceu. Ainda há quem se admire com a minha abstinência total quando no mar.

Só conheço uma coisa capaz de melhorar esta mistura, mas isso fica para depois.

21.4.24

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 20-04-2024

Despedida do Marin: Marin Mouillage, Mango, Kokoa e Liv. Ausente: Cayali. Talvez amanhã, que é dia de hipocrisia. 

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Cada vez me penso mais com sessenta e sete anos e não sessenta e seis. Como se quisesse fazer fast forward.

Quero.

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Começo a habituar-me à ideia de que há coisas que não farei. À cabeça: navegar o estreito de Magalhães e ver os meus netos adolescentes, ex-aequo. Algo me grita que tenho as prioridades amalgamadas.

Talvez o que me resta seja para as destrinçar.

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À imagem do conforto em conviver comigo, as bermudas Napapijri trinta e quatro começam a ficar-me largas. Muito pouco. Espero não chegar às trinta e dois. A ideia de que a minha elegância depende de uma injecção hebdomadária parece-me injusta. Devia ser consequência da minha força de vontade, da minha capacidade de contenção, tão reduzida.

Cada vez menor, de resto. Ao contrário do tal conforto.

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Muito menos confortável é a ideia de que vou para o mar sem cartas decentes. Talvez seja por isso que prefiro dizer que tenho sessenta e sete anos em vez de sessenta e seis. A idade é como manteiga no cu das asneiras.

(PS: continuo a insistir com a Raymarine para ter as minhas cartas no plotter. Nunca gostei de sodomia, qualquer que seja a asneira.)

Faces, promessas, terrores

Não me lembro de muitas das caras que tive em almofadas. Isso aterroriza-me. Não exagero: é terror o que sinto. Talvez no plural, mesmo: terrores. Tantos quanto as caras que esqueci. Não me refiro a todas as caras. Só a algumas. As outras não importam, nunca foram à almofada para serem lembradas. Refiro-me àquelas que tinham e deram sentido à cama, à ou às noites. Lembro-me de tudo (enfim, este tudo discute-se) mas não me lembro das faces. Lembro-me dos olhares, dos corpos, de muitas das palavras. 

E do mais importante: a promessa que cada uma dessas faces hoje esquecidas representou.

19.4.24

Pontapés no cu

Cada vez são precisos mais papéis, qualificações, certificados e o diabo a quatro. Isto é o mundo a empurrar-nos gentilmente porta fora. "O teu tempo passou. Fora!"

O problema sendo que esses pontapés no rabo nos são dados por muitos pés e não só os da regulamentação. 

Hiponcondrias episódicas

As predições da médica que me operou metamorfoseiam-se invariavelmente em factos e é à preguiça da carcaça que devo este atraso na cura. Talvez haja outro factor, mas isto não é arena para pormenores. 

Sei, isso sim e é o que interessa, que posso atravessar à vontade sem riscos de queda, incapacidade ou outros desastres e dispenso comprimidos e pomadas. Basta lavar atentamente e - precisa a senhora, olhos azuis radiantes - com água doce.

Hipocondríaco não sou, infelizmente. Mas tivesse ela mais vinte anos e eu menos vinte e deixaria de lado as certezas.

Hoje? Qual hoje?

Summertime... O Verão acaba sempre por chegar. Helena estendia-se ao meu lado na praia, muito direita. Tudo nela era direito, a começar pelo ventre e a acabar na cabeça. 

Não digo o nome da praia. Não quero que a identifiquem.

Ao fim de aproximadamente dois minutos estávamos engalfinhados um no outro.

Não entro em pormenores. 

O problema é que a praia estava cheia de gente e não foram nem uma nem duas as vezes em que parámos antes de por causa dos gritos das toalhas ao lado. 

A pergunta é: se fosse hoje teríamos parado? 

Depende do que se entende por hoje, não é? Hoje setenta anos ou hoje vinte anos hoje?

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 18-04-2024

Entro devagar - martiniquesamente? - no modo «mar». Já estou com um pé lá outro acolá. Amanhã - sexta-feira e eu pensava que já era sábado - vou deixar o bote o mais perto possível do pronto. Temos sábado para o terminar. Domingo vou a casa da família etíope que me convidou porque quer ter a certeza de que o tripulante está em boas mãos e segunda largo.

Largar - no sentido marítimo do termo, partir, largar amarras - é muito quase de certeza o verbo mais bonito da línga portugesa. Basta ver as suas declinações: «Larga à vante». «Larga a ré». Tudo claro? Vamos. Largar é um complemento de «claro», como em «limpo», «sem obstáculos». «Vamos.» Tudo isto vai acontecer segunda-feira de manhã se o mafarrico não se intrometer, ele que é useiro e vezeiro  em intromissões «sujas», em sujar o que está ou devia estar limpo.  

Nós marinheiros convivemos diariamente com ele. Está em todo o lado, no menor dos recantos, na mais pequena sombra de boa vontade, Como é que dizia o outro? - «O homem põe e Deus dispõe»? Erro, meu caro. O homem põe e o Diabo dispõe. O demo. O CO2. As alterações climáticas. A desigualdade de género. Chamem-lhe como quiserem, a entidade é a mesma: tudo o que se opõe à regular beleza de «Larga!» «Devagar avante.» «Leme todo a bombordo.» O filme passa por mim e eu ainda aqui todo quedo a beber rum com sumo de laranja (estes são melhores juntos do que separados), a ouvir jazz etíope e a sonhar. «Larga!»

Perguntam-nos muitas vezes «O que sente quando deixa de ver terra?» Tabarly respondeu brilhantemente a essa pergunta: «O que sinto quando deixo de ver terra? Nada.» Claro. O momento mágico não é ver ou deixar de ver terra. É quando o último cabo liberta o bote e a máquina é posta em devagar avante, leme a meio e em meia dúzia de segundos «leme todo a bombordo» e depois chega aquele momento, esse sim mágico: «ala que se faz tarde. Vamos!»

Não será bem assim. Tenho de ir a bancas antes de apontar para fora. Mas sim, é assim. Este momento deve ser, para um marinheiro, o equivalente para um crente de esperar ver a Virgem pendurada numa oliveira ou Jesus embrulhado num lençol virginalmente branco a sair do túmulo. 

- São só dois dias, estúpido!
- Sim, mas logo a seguir vêm três semanas, idiota.

16.4.24

Diário de Bordos - Fort-de-France, Martinique, DOM-TOM França, 16-04-2024

Venho (pelo que espero seja a última vez desta vez) a Fort-de-France. Tive sorte: vim num taxico e espero voltar noutro. Ainda os há, se bem sejam poucos.  As romarias do adeus têm sempre uma força especial porque detesto despedidas e esta foi exactamente isso, com o bónus do taxico, mais barato do que um táxi e mais rápido do que um autocarro, com a vantagem suplementar dos diálogos a bordo. Como todos os condutores de minivans do mundo este conduzia maravilhosamente e num instante pôs-me na cidade. O meu vizinho do lado tinha três irmãos pescadores - dos quais um morreu afogado - e o da frente fez uma brincadeira com a massa que o tripulante me passou (viemos os dois, ele para um lado e eu para outro, que isto de romarias sim, mas em solitário, se faz favor). Acabo no L'Impératrice, não podia deixar de ser, antes de ir para o terminal apanhar transporte para o Marin. Capelas visitadas: Biblioteca - procurar um livro do Marai que não têm e ler passagens da Cidade de Deus - a cabana dos cigarros aonde bebi um ti'punch e comprei quatro unidades, o Pain de Sucre, que continua o meu restaurante favorito nesta cidade e por fim, evidentemente, o L'Impé. Acho que herdei do meu Pai esta fixação no que se conhece, esta ideia de que mais vale ser bom cliente num sítio do que mau em dezenas deles, esta noção de fidelidade - ou melhor, esta noção de que há mais numa transacção comercial do que a transação ela própria. O almoço foi impecável de bom e de barato, como sempre, os cigarros e o ti'punch vieram acompanhados de várias manifestações de apreço - e servidos por uma miúda cujos seios dispensavam galharda e brilhantemente o soutien que não tinha, o primeiro rum no Impé veio um bocadinho acima da marca (o segundo veio normal, coisa que me dispenso de comentar).
Como sempre, só no Marin vejo quanto gosto desta cidade e só agora quão pouco a conheço e quão pouco a quero conhecer para além do que já está. O «gosto desta cidade» nunca chegará a «amo esta cidade». Não amo. Gosto destes trezentos metros lineares que dela percorro.

........
Ao contrário do que esperava, consegui falar ao telefone com o senhor da Polymar. Reservo os prognósticos para o fim do jogo, como disse uma vez um cérebro brilhante cujo nome ignoro.

........ 
(Cont.)

"Oiça um bom conselho..."

Tal como o caminho mais curto é aquele que conhecemos, o amor mais sensato é amar quem nos ama. Uma das metades está feita, a mais difícil. 

Sonhos, filmes

Trevas e sonhos são como o rabo e as calças, andam frequentemente juntos mas nem sempre. As sestas quotidianas produzem sonhos e são feitas às claras. E nem todas as noites me lembro dos sonhos ao acordar. A capacidade onírica de um sono não depende da luz exterior. Verdade seja dita: ignoro totalmente de que depende. Sei que a maioria dos meus sonhos tem um pormenor que me faz perguntar por onde é que as sinapses absorveram tanta informação. Pelos olhos? Ouvidos? Pele? Outra pergunta: que raio de coisas me anda a circular pelas sinapses? Que segredos escondem os neurotransmissores que por elas passeiam? E como os guardam tanto tempo, às vezes? Porque é que os sonhos adquiriram esta carga conotativa tão favorável, quando por vezes são tão aterradores? Não me refiro sequer aos pesadelos, mas aos sonhos normais, que vão buscar pormenores quase microscópicos, sonhos kafkianos, hiper-realistas do absurdo?

Dizem que sonhar é como ir ao cinema enquanto se dorme. Eu preferiria escolher o filme e deixar as trevas para quem gostar de filmes de terror.

14.4.24

Monólogos breves. Ou: Autobiografia resumida. ou: Aonde

- Não estou aonde quero estar.
- Aonde queres estar?
- Aonde não estou.

Diário de Bordos - St.-Anne / Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 14-04-2024

Domingo é dia de praia, de maneira venho aos piratas em St.-Anne. Viemos no bote, o tripulante e eu, um bocado a arrastar-se. O destino original era a praia de Salines e o meio a boleia mas no último momento mudei de ideia. Não me apetece perder tempo na borda da estrada num dia tão bonito.

Preparo-me para a semana que vem:  gelcoat na plataforma, ver se encontro uma solução para o esgoto dos duches, reclamar com a Polymar. Esta última tarefa – que será a primeira amanhã de manhã – será provavelmente inútil, mas pelo menos terei reagido. Mais vale perder do que não tentar. Isto dito, esta merda «interpela-me», entre aspas porque cito e é meio irónico meio dubitativo. A verdade é que gosto de ver o uso nas coisas. Gosto de ver-lhes a patine. Não gosto é de as ver negligenciadas, maltratadas. Uma coisa usada e bem tratada tem mais charme e é mais bonita, para mim, do que uma usada como nova. Ou seja: esta história da mesa do salão irrita-me triplamente. Primeiro por causa da mancha, segundo por me irritar a este ponto e terceiro por não conseguir perceber porque me irrita tanto.

O que aconteceu foi isto: fui à Polymar comprar acetona e outras coisas para fazer o gelcoat. Na loja pedi um saco de plástico para envolver a garrafa. Esse conjunto foi para dentro do meu saco impermeável e veio para bordo. Lá chegado pego no saco de plástico, apercebo-me de que está molhado e penso que é água, ponho-o em cima da mesa do salão e claro, não era água, era acetona. O frasco tinha uma fuga gigantesca (enfim, quase) na tampa. Meia hora a lixar com lixa mil serviu para atenuar bastante a mancha, mas ainda lá está, visível. Voltei à Polymar para trocar a garrafa e avisar o homem da loja – por sinal bastante simpático – do caso. Disse-lhe que me vou embora para a semana e que não haverá tempo para reparar a coisa aqui, mas amanhã vou lá consolidar a reclamação. Não servirá de nada, repito. A crença nos «actos de Deus» está entranhada no código genético desta actividade. Mas eu pergunto-me por que raio de carga de água é que Deus dirige sempre os seus actos contra nós, marinheiros e não a favor. Raio de Deus este... (A resposta à pergunta é fácil, claro. Isto é retórica de escapa, mais nada.)

Por outro lado, porque não considerar esta mancha uma simples consequência do uso, a primeira letra de patine? Há várias respostas possíveis. Em primeiro lugar, porque eu sei que o proprietário não partilha a minha opinião sobre a beleza das marcas de uso nas coisas; em segundo porque é resultado não de um uso normal mas de um erro grosseiro. Um garrafa nova e com a tampa ainda por abrir não deve ter fugas daquelas, muito menos num produto como a acetona. Felizmente não tinha o computador no saco e a máquina fotográfica estava dentro do seu invólucro. Em terceiro lugar, porque a mancha não é bonita, por muito ténue que seja. Lembro-me uma vez que deixei um ferro de passar em cima de uma mesa. A proprietária reclamou bastante (e quem sou eu para não lhe dar razão?) Mas a mancha não estava mesmo no meio da mesa e tinha a forma bonita, geométrica, triangular do ferro.

Não sei. Sei que estou fulo e que amanhã o meu dia vai começar com uma luta quixotesca e perdida, passe o pleonasmo. E sei que o restaurante dos piratas em St.-Anne (Pirate's beach) é bonito, que daqui a pouco vou nadar um bocadinho, que depois vou lavar a roupa, a que se seguirá um almoço rápido a bordo e uma sesta reparadora e restauradora. (Nb.: desaprovo inteiramente esta romantização da pirataria, actividade ignóbil praticada por homens - e algumas mulheres, que eram ainda piores - abjectos, hediondos, indignos, vis e tudo o que de repelente e reles a humanidade produziu.)

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O meu corpo abandono-me, escrevi recentemente. Claro que o mais sábio é habituar-me à ideia, que de resto nem sequer é assim tão recente. O meu conhecimento de farmácias, médicos, hospitais e centros de saúde aumentou em flecha nestes últimos seis anos. De Cuxhaven até ao Marin passando por Palma e por Cascais, Lisboa, Coimbra e Porto tem sido um vê se te avias. «Pelo menos ainda podes ir ao médico», dir-me-ão. «Pior será quando não puderes. Isto tem de ser discutido, se possível em presença dos netos, para que a resposta tenha um forte viés positivo; isto é, negativo. Isto é «está calado e cala-te.»

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De vez em quando venho ao Mango. Continua um sítio porreiro se a) não se comer e b) não se esperar que volte a ser o que era: ponto de encontro, agência de trabalho e centro noticioso.  O resto continua igual (ou quase. O pessoal era mais simpático e os preços não eram lunáticos). A localização e a decoração que se lhe adequa como rum a uma goela.

13.4.24

Monólogos breves

- Este corpo que pouco a pouco deixa de me pertencer... 
- Tens a certeza de que alguma vez foi teu? Vivias na ilusão, meu caro.
- Uma entre muitas.

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 12-04-2024

Isto está simultaneamente de maré baixa e de mau tempo e eu faço o que sempre faço nessas circunstâncias: cozinho devagar e oiço Leonard Cohen. Devagar não é uma imagem: refogar cebola, cenoura, pimento, carne picada e bacon separadamente, como se fosse uma ratatouille, é coisa que só se pode fazer de mau tempo e em terra. Depois juntei tudo numa panela com o que sobrava de uma late de tomate, acrescentei água e um copo de vinho tinto, deixei cozer um par de meias-horas, troquei a Chavela Vargas pelo Leonard, pus algum rum no copo que antes contivera vinho e pronto, a memória cavalga de novo por esses tempos fora, à rédea solta e leva-me a uma senhora que gostava tanto como eu do Cohen e que deixei fugir por causa da hubris, esse sinónimo de estupidez tantas vezes ignorado.

........
A perspectiva de passar aqui mais uma semana sem nada que fazer abanou-me até às entranhas e pus-me à procura de trabalho para horas, dias, semana, o que vier. Dei com o nariz nas portas todas, claro: fim de época e uma semana? 

Menos uma. Não tenho um sim, mas tenho pelo menos um talvez. Amanhã saberei. Vou também trabalhar um bocadinho mais no S. D., apesar de não ser grande adepto da prática. Tento desculpar-me dizendo que o armador merece - o que é verdade - e que de qualquer foma este Verão estarei em Maiorca com o «meu» P. e que de qualquer outra forma tudo é melhor do que não fazer nada, sobretudo agora que estou a noventa e nove por cento da capacidade de trabalho e o um por cento que resta é o da pieguice, que tem sempre um lugar à mesa. De maneira assim é: o jantar recebeu a aprovação do tripulante e eu a de Leonard Cohen, o rum HSE de todos os envolvidos (menos o rapaz, que não bebe rum), amanhã vai chover - os aguaceiros precursores começaram hoje - se bem seja possível que as previsões se enganem e cá estou, à espera de peças.

.........
Ninguém imagina o que é esperar por peças. Uma vez no Panamá precisava de uma junta de cabeças para um motor (não me lembro da marca) e recebi por três vezes a junta errada. A empresa que mas enviava era a única em praticamente todos os Estados Unidos que as tinham e sabiam-no, de maneira recusavam absolutamente assumir as consequências do erro. Diziam-me, quando eu reclamava «compra-as noutra loja». Acabei por ter de pedir a um mecânico americano e amigo para as ir buscar em pessoa e vir ao Panamá montá-las. O transporte custava duas ou três vezes o que custavam as juntas e de qualquer forma não havia no Panamá quem mas conseguisse montar, de maneira acabei por pagar digamos dois ou três mil uma peça que custava cem, talvez quinhentos com a montagem. Esperar por peças é o Inferno do navegante, assim mesmo com maiúscula não vá o diabo pensar que estou a fazer pouco dele.

Esperar por peças deve ser a situação que mais nos confronta com a nossa incapacidade total, com a nossa falta de controlo sobre o que nos rodeia, com a nossa abissal fragilidade. Quando estou numa tempestade ou numa situação difícil sei o que tenho de fazer e faço-o. Aqui não há nada, rigorosamente nada que se possa fazer para acelerar o processo. Estamos na mão de uma longa cadeia de pessoas, cada uma delas pode enganar-se e nenhuma vai assumir as consequências do erro. Salvo raríssimas excepções, mas com essas é sensato não se contar. De maneira cá estou, à espera de peças enquanto cozinho, oiço Leonard Cohen, penso na hubris - os contrários atraem-se -, na miúda, que era linda como sete demónios juntos e bebo o fundo de uma garrafa de rum. Não tarda deito-me. «Never mind. We are ugly but we have the music.» 

«Lover, lover, lover come back to me.» 

.........
Trata-se apenas de não ceder, como sempre. «Never give an inch.» Não ceder. Ir com a corrente mas controlar a rota. Não encalhar nem ir pela cascata abaixo. Ir dormir. Pode ser que amanhã tenha um gancho qualquer à espera. De qualquer forma não há mais rum e não vou sair.

A sério?

..........
Em minha defesa: fui deitar-me. Mas a posição horizontal era-me insuportável. Tentei e mais vale perder do que não tentar. Hoje é sexta-feira, dia de música ao vivo na Paillote Cayali e aqui desafiei a minha seriedade, desafio cobarde porque ela já tinha perdido.

..........
Quem ganhou fui eu. O grupo hoje é bastante bom, a rapariga atendeu-me rapidamente e trouxe-me a cerveja e o gelado com igual celeridade, não está a chover e...

Só chove dentro de mim? 

"Ah, na minha alma sempre chove. 
Há sempre escuro dentro de mim.
...

Quando é que eu serei da tua cor,
Do teu plácido e azul encanto,
Ó claro dia exterior, 
Ó céu mais útil do que o meu pranto?"

O poema é de Fernando Pessoa, claro. A chuva a sério dentro de mim começou pouco depois de o ter transcrito, quando ainda era só uma emoção, mas disso não quero falar agora. Aquela megera consegue dar cabo do mais pacífico dos momentos. 

12.4.24

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 11-04-2024

Ontem dizia que tinha sorte a rodos; hoje a malvada abandonou-me e fiquei a saber que vou ter de passar pelo menos mais uma semana aqui, talvez mesmo semana e meia. Não é por acaso que sorte é um substantivo feminino: é substantivo e é volátil. Não é que esteja farto do Marin, que estou. É mais que estava a sonhar com os dois dias de mar que antecipava e agora vão ter de esperar, esses braços, abertos como os do Cristo Redentor no Rio de Janeiro. Falo nesse e não noutro muito parecido porque a sorte redimiu-se: começou com um apéro no B., depois vim para bordo e cozinhei uma espécie de empadão de batata-doce que ficou aceitável (até eu gostei... O tripulante delirou) e agora oiço as Quatro Estações e tremo com o Outono, como sempre. Esta peça sofre injustamente da sua popularidade. É como dizer que se gosta do Obladi Oblada dos Beatles, salvas as devidas proporções. 

.........
Ficar aqui mais dez dias (preparo-me para o pior) tem uma vantagem: umas famílias etíopes que vivem na Martinica e se preocupam com o tripulante querem conhecer-me. Como já por várias vezes mencionei ao rapaz que sou um fâ da comida do seu país, hoje prometeu-me que em breve a terei no prato. Não chega para me apagar a frustração, mas que a atenua atenua. Uma injera e wat na Martinica? Se isto não é cosmopolitismo não sei o que é.

É sorte, estúpido.

.........
Entretanto continuo a perguntar-me o que devo fazer com a quantidade de tralha inútil que levo a bordo do S. D. O que não posso fazer é fácil: deixar tudo aqui ao lado de um caixote do lixo. A pergunta «Mas porque é que isso te preocupa tanto?» tem uma resposta fácil e uma complicada. A fácil é «Uma embarcação de vela não é um cargueiro nem, muito menos, um armazém.» A complicada passa por noções complexas como respeito, uma palavra que só medianamente aprecio - a palavra, não o acto. A navegação - seja à vela seja a motor - acumulou durante estes milhares de anos um saber, um cânone que é preciso respeitar. Não se pode - ou melhor, não se deve - descobrir o mar quando se vai para o mar. É preciso estudá-lo - ou seja, respeitá-lo - antes.

Penso muitas vezes no P. D., que me dizia «Tu não gostas de amadores». Ao que lhe respondia: «Claro que gosto. É graças a eles que tenho trabalho.» 

Bom. Falemos de flores. A minha relação com o mar e com a navegação não é partilhável senão com um número reduzido de pessoas que pensam como eu (se é que se pode chamar pensar a isto. Não pode). Adoro amadores, P. Só não sei como arrumar esta tralha respeitando alguns princípios de base. Por exemplo: segurança, distribuição de pesos, conforto.

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De Vivaldi saltei para Uri Caine, do vinho tinto para o rum. O B. hoje deu-me a provar um rum excepcional, A1710. O nome é esquisito, eu sei. O rum também, mas na boa versão de esquisito. Como quando rima com magnífico, por exemplo. 

10.4.24

Em paz, pá

O Facebook pergunta-me constantememte o que tenho na cabeça. A resposta simples e óbvia é «Nada». Fico, porém, desolado com tanta simplicidade (e verdade, de passagem se diga) e apetece-me encher um bocadinho o chouriço. Tenho rum (o vinho tinto do jantar já deve ter sido digerido), tenho meia dúzia de imagens felizes do meu passado e outras tantas daquilo que me espera. Imagens. Tenho a cabeça cheia de imagens. Parece-me pouco, por muitas que sejam. Tanto mais que não param quietas. Lembram-se daqueles aparelhos estereoscópicos que nos divertiam imenso quando éramos crianças? Tinham um disco com imagens que inseríamos numa ranhura e cada vez que accionávamos uma alavanca a imagem mudava. O interesse da coisa residia no facto de as imagens serem em três dimensões. Imaginem um epiléctico a manipular a tal alavanca durante uma crise e obtêm uma imagem (bidimensional) daquilo que me vai pela cabeça. Uma chatice, é o que é. Aliás, acho fascinante esta capacidade que a chatice tem de coabitar com o bem-estar. Um gajo sente-se bem, pacificado, tem objectivos claros e bem definidos (quinta-feira: rail do pau de spi; sábado o mais tardar: largar para St. Maarten - acho que vou para a parte holandesa da ilha, sem ter ainda a certeza -, fim do mês: largar para Ponta Delgada) e apesar disso o raio da cabeça não pára. É preciso anestesiá-la, deixar de lado o chocolate, ler mais um bocado de Somos un cuerpo herido (ainda vou na parte consagrada a Santa Catalina, o que me leva sem parar ao bairro de Santa Catalina de Palma, o equivalente, todas as proporções salvaguardadas, ao Bairro Alto de Lisboa). Não deixa de ser curioso ver de onde vem a denominação do bairro e aquilo em que ele se tornou. Imagino porém que o mesmo ou equivalente se passa em todos os bairros em todas as cidades cujo nome começa por santo ou são ou santa. Assim que de repente me ocorra não deve haver muitas santos cuja primeira parte da vida tenha sido dedicada à devassa. S. Paulo, Santo Agostinho... Olá, o Google dá-me uma interminável lista de outros nomes. A igreja católica tem pelo menos o mérito de não olhar para o passado dos seus santos, qualidade de que hoje em dia pouca gente se pode orgulhar. Um gajo troca uma vírgula aos quinze anos e aos cinquenta ainda há quem venha recordar tal pecado. Não é que eu goste de vírgulas mal colocadas, é simplesmente que tendo a esquecê-las quando o autor é mais do que isso. Ou seja: sou uma espécie de igreja católica em miniatura. De onde vêm as pessoas interessa-me pouco ou nada. 

Isto tudo para responder à pergunta do FB: mete-te na tua vida e deixa a dos outros em paz, pá.

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 09-04-2024

Já não estou sozinho a bordo e recomecei a cozinhar. Uma parte significativa da minha felicidade passa pelo estômago. Ou melhor: pelas papilas gustativas. Quando sou eu que cozinho e o resultado me sai bem essa felicidade é multiplicada por dois. Por três quando é apreciada pelo ou pelos convivas. Hoje foi um desses dias. Costeletas de porco num molho de vinho tinto, gengibre, salsa e tomilho - previamente marinadas nesse mesmo vinho tinto, alho, paprika e pimenta - e puré de batata com a exacta quantidade de noz moscada e leite. Tudo isto regado por um Bergerac mais do que bebível e que não chega a cinco euros a garrafa (para a cozinha usei uma coisa do Aude a dois vírgula oitenta e oito, o que no Marin deve ser um recorde. Nem o vinagre é tão barato). O jantar foi acompanhado por Koko Taylor porque o tripulante é jovem e não o quero massacrar com Hildegarde von Bingen, que é o que a situação mereceria. O horrível ano de dois mil e vinte e três está quase a acabar: as dores são cada vez mais meros incómodos, o jovem é uma maravilha que me traz à memória os meus chauffeurs etíopes no Burundi - todos eles dignos, sóbrios nas manifestações, competentes, profissionais até dizer chega. Pouco efusivos e dignos. Deixo aqui uma mensagem pública de gratidão ao H. P., prova viva - juntamente com a M. T. - de que é possível trabalhar com portugueses. Basta ter sorte e isso é coisa de que me sinto inundado, apesar de a época não ter corrido de acordo com o plano. ¿Qué importa? Teria navegado e ganhado mais, sofrido menos, ido às Grenadines e quem sabe mesmo até Grenada. Não fui. Em vez disso fui operado por uma médica competente - e linda, o que não estraga nada -, tratei do S. D., tarefa de que gosto tanto como de tratar de uma pessoa que precisa de mim, vou navegar a direito daqui para St. Maarten - dois dias e meio de mar no mínimo, um excelente aperitivo para a travessia, que me permitirá conhecer o bote mais do que o conheço hoje. A minha luta em favor do TCA (ou contra, depende da perspectiva) deu um gigantesco passo em frente. O projecto de Caminha está em marcha. Vai demorar anos? Vai. Não terei massa para a exposição? Paciência. Haverá outras. Continuo a pensar que devia gerir a minha massa como faço com a dos outros? Antes assim do que ao contrário. Continuo a pensar que não devia ser como sou e devia ser como não sou? Continuo, mas isso pouco muda à realidade - «sou como sou e é tudo o que sou» -  e ao fim destes anos todos isso não me aquece nem arrefece. Só tenho pena de quem tem de me aguentar como sou - mas não obrigo ninguém a fazê-lo. A mistura de Koko Taylor, Bergerac, rum HSE (em breve), um tripulante que é uma dádiva, uma travessia em perspectiva, a capacidade de ler recuperada muito aos poucos mas crescente... Reinaldo Ferreira resume tudo num poema: 

«A que morreu às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
Teve a sorte que quis,
Teve o fim que escolheu

Não estou perto do fim mas estou na recta final e este poema acompanha-me todos os dias. Tenho a vida que fiz, terei um dia a morte que quis. Numa vida cheia de altos e baixos, muito altos e muito baixos, apercebo-me de que não é amanhã que o cardiograma (se algum dos meus leitores souber como se chama aquela máquina dos hospitais ficar-lhe-ia grato por mo dizer) vai ficar liso. Antes assim. Prefiro uma descida íngreme a uma recta plana. (Talvez preferir não seja o verbo adequado. Suportar melhor é, de certeza.) Sobretudo porque depois de uma descida íngreme vem uma subida igualmente abrupta. Sobretudo porque depois de uma coisa vem outra e não a mesma.

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Esperam-me três semanas de mar. Há algum melhor resumo de tudo o que acabo de dizer? Não, não há.

8.4.24

Diário de Bordos - Le Marin, Martinique, DOM-TOM França, 07-04-2024

 Esqueci-me de que:
a) Estou cansado. O jetlag ainda não passou, apesar de ter dormido como se um anjo me tivesse raptado;
b) Tenho dores, de vez em quando. Preciso de um analgésico e não o trouxe;
c) Tenho de fazer a cama quando chegar a bordo.

Ou seja: o dia começou comigo a cair à água ao entrar no bote, acaba com uma série de esquecimemtos e entre os dois foi magnífico. Há curvas matemáticas com esta forma. Gauss, se não me engano. Ou engano, se não me gauss. Ou assim, se não me assim. 

Para o meu pobre e martirizado corpo é meia-noite e meia. Ou seja, já pelo menos há três horas que devia estar na cama, em vez de estar no Annexe à espera da máquina da roupa. A seguir vou ter de esperar que seque. Deve ser aqui que nasceu a expressão «que seca»: um marinheiro à espera da secadora, à espera da hora de ir para bordo fazer a cama, à espera da hora de se deitar, à espera de que as dores se desvaneçam de uma vez por todas.

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Jantar no sushi da marina. É barato, é pouco e não há ninguém. Também é uma merda, claro. Quem comeu o sushi do Gonçalo D. no Estoril não se satisfaz facilmente - o que de resto explica que raramente coma sushi. Aquele era bom demais. Tal como o hamburguer do Skipper, que também era do Gonçalo: só conheço um que o bate aos pontos e esse já fechou. Era no Porto, na rua de Santa Catarina. O confinamento deu cabo dele. Há dezenas de razões para se considerar  a «gestão» da pandemia um crime (ou milhares, se se olhar para a coisa numa perspectiva holística). O fecho do restaurante do Hélder e do Alberto figura num lugar elevado dessa lista.

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O resultado de tudo isto é: venho ao Indigo beber uma cerveja e pensar que é uma injustiça não vir aqui mais vezes, perguntar-me por que raio de carga de água é impossível encontrar forma de carregar a frontal que me serve de luz de navegação no bote à noite (ainda tenho luz que chegue, apresso-me a esclarecer), perguntar-me porque sou tão mau a gerir as minhas finanças e tão bom quando a massa não é minha, perguntar-me porque tenho mais perguntas do que respostas acerca de tudo e mais alguma coisa. Devia ser ao contrário, devia saber tudo e descubro que não, não sei nada. Só sei perguntas e noventa por cento delas não têm respostas (estou a ser modesto. Essa proporção é muito maior.)

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A noite está linda. Não há um sopro de vento e a água está que parece a mesa na qual escrevo. Não consigo acabar a cerveja mas faço um esforço. Antevejo o filme: Ir buscar a roupa ao secador; dobrá-la; pô-la no saco; ir para o bote; atravessar a marina; ir para bordo, fazer a cama; dormir. E ainda há quem não goste de finais felizes nos filmes. 

Amanhã chega o T. e vou poder voltar à verdadeira função de um skipper, que ao contrário do que muita gente pensa não é fazer coisas. É tê-las feitas. A diferença parece pequena, mas há anos-luz entre uma e outra. No meu caso, quase cinquenta anos e a luz que os acompanha.

(Cont.)

5.4.24

Patriotismo, ou: Não há bela sem senão.

Penso nestes arremessos de «patriotismo» que vai entre aspas porque não sei se é a designação correcta. Mais certeiro seria chamar-lhe «indomável vontade de viver em Portugal apesar da quantidade de vezes que já tentei e não consegui». A primeira coisa que me ocorre é que não vem de hoje. Basta percorrer o DV muito por alto para ver posts sobre o «sedentarismo» e sobre a vontade que tenho de voltar à terra. A cada tentativa as circunstâncias acabaram por vencer, o que me levou a perceber que o meu amor por Portugal não passa de mais um amor não correspondido - como se fossem poucos. A vontade é antiga e o tempo consolida-a em vez de a erodir.

Posto isto, trata-se de saber qual a natureza de tão estranho sentimento. Penso por vezes que é de ordem  gastronómica. Aonde mais comer um cozido à portuguesa como aquele que ontem comi? 

Porém, o meu recém-fortificado patriotismo não é só gastronómico e resiste a todos os ascos que o país me provoca: a política, a cobardia, a sujidade, o barulho  a desorganização, a indecisão, a falta de planeamento, a mesquinhez. Para viver em Portugal estou disposto a conviver com isso tudo e a verdade é que por muito bom que seja, um cozido à portuguesa só por si não seria suficiente para fazer passar para segundo plano tanta coisa detestável. 

A Lisboa que conheci e descobri aos vinte anos desapareceu há muito tempo e ainda bem - pior seria se estivesse na mesma. Mas a Lisboa que amo não despareceu. Mudou, é certo, mas qualquer coisa ficou. Quem diz Lisboa diz Portugal, claro, apesar de não conhecer o país tanto quanto gostaria e de só mais tarde  ter descoberto o pouco, quase nada, que conheço.

Gosto da língua, obviamente, apesar da violência - isto não é exagero - do AO90, que me agride a cada c ou p que faltam, apesar de cada calinada que vejo, tantas e cada vez mais. É uma agressão violenta apesar de não ser física, equivalente à sujidade nas ruas. Porém, tal como por baixo da sujidade há uma rua que amo, por trás de cada erro há uma palavra que me faz tremer de emoção. 

Os portugueses não são só cobardes, indecisos e incapazes de planear seja o que for. Somos gentis, honestos, hospitaleiros, gostamos de ajudar. Portugal não é só ruas sujas e selvagens ao volante, tal como não é só cozido à portuguesa e bifanas do Afonso, as noites de boémia no Bairro Alto ou os dias de vela na baía de Cascais, os amores ou as noites de solidão no Guincho. 

O meu patriotismo é irracional. Há amores que o não sejam?

PS - Depois de um magnífico jantar com o núcleo duro dos amigos apercebo-me de que a mistura "patriotismo" precisa desta componente também. 

Por muito que se goste de um país, o nosso é insubstituível: é uma mistura de razão e desrazão, de passado, presente e - queira Deus - futuro.

Gostamos do nosso país por causa de tudo o que dele não se vê.

4.4.24

Diálogos improvisados

 - Apetece-me falar de amor. - Só fala de amores quem não os tem. - Ou quem os tem em excesso. - Isso não existe. Não há amor a mais. - E a menos, há? - Há, mas manda o pudor que não se fale do que não se tem. - Manda também que não se fale do que se tem. - Exactamente. O que se tem ou não tem não são temas de conversa.  - E o que se é? - Depende. Às vezes sim, outras não.  - De que falar, então? - Do tempo, de vinho e das senhoras que nos recusaram. Sobre as insensatas que nos aceitaram, nem uma palavra.

3.4.24

Comboios, inversões e outras estranhezas

Conheço quem não goste de andar de comboio. Isto soa-me um bocadinho como se dissesse "Conheço um ou dois extraterrestres".

Sobretudo agora que tenho direito a bilhete de velhinho e posso andar sempre em primeira classe e não só em dias de chuva. A linha está inabitualmente regular. Não há oscilações nem movimentos bruscos. A viagem parece uma versão elevada à potência mil de um trajecto na minha BH, só que não tenho de pedalar. Vou reclinado na cadeira a olhar para a paisagem e a tratar de assuntos diversos, alternadamente. De vez em quando a paisagem é ferida por algumas construções desenhadas pelos piores alunos da escola socrática (a nossa, não a original) mas fora isso é bonita. O céu está carregado de nimbus estratificados, cinzentos e feios - se não chover logo à noite é milagre - mas o contraste com o calor e o conforto da carruagem é relaxante, apaziguador. Dentro de pouco mais de meia-hora chegarei a Caminha, um sítio que conheci há alguns anos pelas mãos de um dos meus pintores contemporâneos favoritos e de que gostei imediatamente. Amanhã de manhã tenho trabalho (e-mails, telefones) coisa que me enche de alegria. Trabalhar em algo de que se gosta é uma sorte ou uma sageza, não sei bem. O casaco de lã que comprei na feira náutica de Barcelona está na mochila. Quando penso no tempo que passei a procurá-lo apetece-me que o comboio tenha rodas ovais. Estava na 5 à Sec. É provavelmente uma das melhores peças de roupa que comprei nestes últimos sessenta e seis anos.

Tenho pena de não poder ir ver a I. e o D. O tempo e o mar são as melhores prisões,  as mais eficazes e inescapáveis. Fica para outro dia, um dia em que o tempo tenha deixado aberta a porta da cela.

As estações têm nomes esquisitos e eu sinto-me a pessoa mais normal do mundo. Estranha inversão, não é?

Pastel de Chaves, xacúti e outras lembranças

O pastel de Chaves foi-me apresentado por uma senhora que na altura eu tinha como namorada e hoje não tenho de todo, porque ela não me liga nenhuma, apesar de ser muito bonita. Ou talvez por causa disso,  vá lá saber-se. E por ser sábia, isso também é e muito. De maneira mal cheguei a Campanhã corri para o que antigamente era o meu café favorito à frente da estação e pedi uma imperial (um café à frente da estação da Campanhã sabe o que é uma imperial) e - lá está - um pastel de Chaves. Aquela estava óptima, este abominável. Devo desde já afiançar que não foi o horror do pastel que me trouxe a sábia e bonita senhora à memória. Ou melhor, foi, mas por oposição: lembrei-me dos que com ela comi em Vila Real, tão bons. Este era péssimo e voltou para trás a meio. Devo confessar que a culpa é toda desta minha mania de confrontar o que penso ao que é. Faz já alguns anos que este café se transformou numa cervejaria Super Bock (não desfazendo, claro) e a qualidade dos salgados caiu a pique, o que me levou a frequentar o café ao lado. Hoje quis confirmar ou infirmar a minha opinião. Confirmei-a: o café do lado é melhor e vou lá beber um copo de vinho, só para ter a certeza. Pastel de Chaves não como de certeza, por muito bom aspecto que tenham. O K. vai fazer um xacúti e a essa coisa - um xacúti feito por um amigo - deve chegar-se com fome. Hospitalidade moçambicana honra-se.

Nós

Nós amamo-nos, nós desatamo-los.

Chuva, palavras

Voltei para casa quando começou a chover. As palavras não se importam nada com a chuva. Eu detesto. Todos os dias as levo a passear ao jardim perto de minha casa. Às vezes vamos à praia: elas gostam de brincar na areia, de ver o mar. Algumas sentam-se comigo no xiringuito, se calha estarmos em Espanha. É importante arejar as palavras. Fechadas em gavetas ou em canetas criam mofo num instante. Além disso, faço exercício. Pouco, é certo. Não sou da família dos peripatéticos mas sempre é melhor que nada. Volta e meia perco uma, mas não tarda outra se junta à matilha. Digo matilha e não rebanho: são demasiado selvagens, mudam, desafiam-se. São desobedientes. As vezes obrigam-me a correr atrás delas, o que sobremaneira me chateia. Prefiro quando vêm ter comigo.

Também prefiro quando não está a chover.

2.4.24

Diário de Bordos - Palma, Mallorca, Baleares, Espanha, 02-04-2024

No caminho do «meu» P. para o mercat de l'Olivar, aonde deixei a bicicleta para ir com o carro levar a roda do leme à Mercanautic só parei num waterhole - o Alaska. É a primeira vez nesta escala para o caso de precisar de uma atenuante. Logo a seguir parei num bookhole - a Babel cá de baixo, para ver, outra atenuante, se tinham vendido alguma caixa de postais. A resposta é não, não venderam, mas como saí de lá com dois livros e três postais (não dos meus) a paragem saiu carota, apesar de os livros serm baratos - se não fossem não teria comprado dois. Um Gomez de la Serna, autor cuja descoberta devo à J. M. V., abençoada seja; e um livro que me atraiu pelo título - Somos um corpo ferido. Tenho de admitir: sou bibliodependente. 

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Roda de leme I - Como não cabia no carro levei-a no tejadilho, convenientemente peada. No caminho de regresso da Mercanautic oiço um grito de um automobilista que ia no sentido contrário: «Se cai! (Ou qualquer coisa no género. A tradução é minha.)» Estarei enganado ou já houve um tempo em que cada um se preocupava com a sua vida e deixava a dos outros em paz?


Roda de leme II - Chego à Mercanautic e a decisão veio tão súbita como esperada: «Isso é invendável». O que me magoa não é aquilo ser invendável. É, claro. O que me magoa é o trabalho do couro. Para se ter uma ideia, mostrei-o ao R. (?) e ele diz-me imediatamente: «Isso foi o Jaume Amengual». Foi, sim. está perfeito. «Custou-te pelo menos quatrocentos euros.» »Quinhentos.» «Pois. Está perfeito.» Sim, está perfeito e vai cabar numa parede a servir de decoração ou num restaurante, base de mesa de vidro. Que lindo está, que paz para os olhos e para a alma olhar para aquele trabalho de perto e com olhos de ver. Apaziguante e extasiante são adjectivos antagónicos? A serem, aquela roda é um oxímoro irresistível.

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Palma, já por aqui o tenho dito, é uma cidade de mulheres bonitas. Hoje passou por mim uma série delas com aquelas abomináveis calças rasgadas nos joelhos e nas coxas. Uma vez tive uma troca de opiniões com uma vendedora de roupa, a quem disse que aquelas calças eram velhas e ela respondeu que não, eram novas a parecer velhas. Se em política o que parece é, como uma vez disse um senhor que sabia do que estava a falar, por que raio em moda será diferente?

Percebo muito pouco de moda. Passada a adolescência comecei a seguir o conselho do meu Pai: não seguir a moda, mas mostrar que não se lhe é indiferente. Se o nó da gravata deve ser grande, fazê-lo um bocadinho maior mas não grande, por exemplo. Mas também esta fase passou depressa. Enquanto tive de usar gravatas escolhia-as por critérios estéticos e não modísticos, os fatos a mesma coisa. Felizmente em meados dos anos noventa isso acabou (na verdade foi em noventa e sete) e nunca mais tive de pôr uma gravata ou vestir um fato. Sempre usei o mesmo tipo de sapatos - Oxford, a quem esta magna questão interessar - com meias até ao joelho. Pretos para ir trabalhar, mocassins castanhos ao fim-de-semana... Como me parece longínquo esse tempo. 

Voltando às calças rasgadas: o que faz alguém seguir uma moda? O que faz alguém querer mostrar que é igual a toda a gente? Sejam os tempos de individualismo ou de colectivismo a moda mantém o seu poder aglutinador, agregador.

Mas o essencial mantém-se: não consigo perceber o conceito de seguir uma moda. Como tão pouco consigo perceber o de não seguir. Usar o nó da gravata pequeno em tempo que os quer grandes é a mesma coisa do que usá-los volumosos. Uma coisa que acho infalivelmente curiosa: as exclamações horrorizadas de quem vê fotografias antigas de si próprio, com a roupa à moda do tempo. Como se a moda fosse um permanente desafio à estética (acho as calças à boca de sino muito bonitas e as calças estreitas muito feias, portanto isto não é sempre verdade). Que dirão estas mulheres (ainda por cima bonitas, ça va de soi) daqui a uns anos, quando virem fotografias desta roupa?

Adenda: tudo isto é mentira. Sou adepto fanático da moda das mini-saias, do não uso de soutiens e do topless nas praias (até uma certa idade, ça va également de soi. Vive la mode.)

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Escrevo como fotografo e fotografo com escrevo. A isto chama-se «simetria do não-ser»

1.4.24

Aterrado

Será que na oração "um velho marinheiro aterrado" o verbo pode ter dois sentidos?

Como se

Está sol, na cidade não se sente muito o vento, aqueço por dentro e por fora. O calor, o vinho tinto, a BH e o casal de yachties atrás dela. A rapariga tem os cabelos loiros e compridos e deixa-se tranquilamente seduzir enquanto o rapaz fala sem parar. De vez em quando ela estende os cabelos para os lados, diz uma frase ou duas, encomendam mais um copo de vinho - branco - não oiço a conversa mas parece-me que afinal não são yachties. O café Roma não seria lugar para eles, verdade, mas sou um optimista e pensei que talvez estes dois se tivessem aventurado para fora da sua "zona de conforto" (aspas porque é sarcástico).  O rapaz eleva a voz, a rapariga remexe os cabelos, a BH enquadra a cena. No lugar do espectador um velho marinheiro bebe um copo de vinho, faz uma fotografia ou duas, faz valer a sua surdez parcial, aquece-se ao sol e ao vinho e tenta esquecer-se de tudo o que não seja sol, bicicleta, vinho tinto e esta paz que de repente o invade, maré a subir no monte St.-Michel mas sem o cavalo a galope. É preciso conciliar o "repente" com um cavalo a passo, iluminar a cena com o sol quente de um fim de tarde, imaginar uma autoestrada com vinte saídas em leque à nossa frente e perguntarmo-nos "qual delas vai o cavalo escolher? E eu? E a vida?" e tentar conciliar as três opções como se fossem só uma.

Como se eu fosse só um.

Derrotas, vitórias, empates

A melhor medida da envergadura de um homem é a dimensão dos erros que carrega. Mais do que as vitórias, tão leves.

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Prefiro uma derrota a mil empates.

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Uma vitória não passa de uma derrota adiada.