Anda o diário atrasado. Muitas coisas de permeio e outras tantas de recheio. Como descrever uma casa demasiado mobilada, por onde começar?
Deixemos para trás o que para trás está, Dito. Esqueçamo-nos do que aí vem: conjecturas, castelos de cartas, bengalas apoiadas a guarda-chuvas, lebres coxas e tartarugas excitadas... O que anda não aconteceu não merece ser contado.
Fiquemo-nos então pela sala onde estamos: encontro com o Ivan às nove (mas chegámos ambos mais cedo...) para falar da plataforma do gerador. Compras no mercado. Fazer as compras num mercado é um acto de urbanidade. Os supermercados são para sub-urbanos, para campesinos e para tesos (tesos na cabeça, quero dizer. Na carteira estou-o eu e muito, mas na cabeça não. Há que teorizar sobre as diferentes formas de falta de dinheiro, por mim resumidas durante muitos anos como "Pobres sim, miseráveis nunca". Enfim. Detesto supermercados, pronto. Estou-me nas tintas para quem lá vai, se tem guito ou não, onde é que vive ou o que espera da vida). Prefiro comprar menos no mercado a mais no "super" (entre aspas porque é ironia, aquilo de super não tem nada excepto ser prático. E barato). Almoço em casa, seguido de sesta. Rosé na Sifoneria. Rosé no Abracadabra, tão injustamente arredado dos meus roteiros. Vai reintegrá-los. O francês dos crepes vendeu aquilo e agora quem lá está é um sul-africano porreiro, passe a redundância. Longo passeio de bicicleta pela ciclovia do litoral (o nome é uma invenção minha). Voltei para trás um bocadinho antes de S'Arenal (creio, não tenho a certeza). Caña no quiosque-cervejaria Alaska, que tem a melhor cerveja e a pior clientela de Palma. Casa. Antes de me deitar vou ter de tomar um duche, é a única chatice desta conjunção de calor e pedais. Anda um gajo a tentar reduzir o número de duches e catrapum, cai-lhe um Verão em cima. Mas devo dizer que a dependência está cortada. Já consigo sair de casa sem ter tomado um duche e - ó milagre - sem ter feito a barba. Detesto dependências, sejam elas quais forem. Por exemplo: a água. Comecei a beber água regularmente e agora não consigo parar. Já lá vão seis garrafas, em outros tantos dias. A vigiar.
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Os fragmentos todos de todos os livros que não li, mai-los que li juntam-se aos fragmentos todos de tudo o que vi, vivi, ouvi, disse; fragmentos ditos e não-ditos. Tudo isto num tropel à frente do portão da cerca, como as manadas de gado excitado nos filme de cowboys. Fragmentos de vinho: Sebastiá Pastor, o rosé de ontem (syrah e mantonegro, uma casta local. O vinho era sublime); o rosé da casa da Sifoneria (mantonegro e tempranilla); o do Abracadabra (Barahona, o menos bom dos três, se bem mesmo assim interessante). Tudo isto num atropelo, fragmentos engalfinhados uns nos outros, desvariados, asfixiados, exorbitados.
Fragmentos: a única forma de os controlar é dar-lhes de beber primeiro e depois levá-los a passear de bicicleta à beira-mar.
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Casa: escrever, música, duche, cama. Meia dúzia de nêsperas. Vinho tinto da Es 20, melhor e mais barato do que o da U. Camembert demasiado frio. Bach, pelo luth encantado de Hopkinson Smith.
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As bestas estão mais ordeiras. Touros de uma lide que me saiu na rifa e da qual não sei desembaraçar-me. Não sei sequer se quero desembaraçar-me dela.
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Comprei brevas, uma espécie de figos que não é bem figos mas se parece como se fosse e vem das mesmas árvores. Favor que devo ao autor dos Segredos del Mediterráneo, a quem estarei para sempre grato, não só por causa das brevas.
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Dias grandes, cheios, mobilados por um deus vesgo.
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Adenda: esqueci-me do chimichurri. O argentino do mercado faz um que cheira bem que se farta. Marinei as febras naquilo hoje de manhã, estavam a precisar de uma mudança de vida, demasiado tempo de frigorífico. Há bocadinho fritei-as. Voltaram para o frigorífico: cozinhadas não devem fazer mal. À espera em chimichurri tão pouco.
(É importante falar nestas coisas, tirar o excesso de móveis do caminho, começar por desemabraçar os mais leves.)
Deixemos para trás o que para trás está, Dito. Esqueçamo-nos do que aí vem: conjecturas, castelos de cartas, bengalas apoiadas a guarda-chuvas, lebres coxas e tartarugas excitadas... O que anda não aconteceu não merece ser contado.
Fiquemo-nos então pela sala onde estamos: encontro com o Ivan às nove (mas chegámos ambos mais cedo...) para falar da plataforma do gerador. Compras no mercado. Fazer as compras num mercado é um acto de urbanidade. Os supermercados são para sub-urbanos, para campesinos e para tesos (tesos na cabeça, quero dizer. Na carteira estou-o eu e muito, mas na cabeça não. Há que teorizar sobre as diferentes formas de falta de dinheiro, por mim resumidas durante muitos anos como "Pobres sim, miseráveis nunca". Enfim. Detesto supermercados, pronto. Estou-me nas tintas para quem lá vai, se tem guito ou não, onde é que vive ou o que espera da vida). Prefiro comprar menos no mercado a mais no "super" (entre aspas porque é ironia, aquilo de super não tem nada excepto ser prático. E barato). Almoço em casa, seguido de sesta. Rosé na Sifoneria. Rosé no Abracadabra, tão injustamente arredado dos meus roteiros. Vai reintegrá-los. O francês dos crepes vendeu aquilo e agora quem lá está é um sul-africano porreiro, passe a redundância. Longo passeio de bicicleta pela ciclovia do litoral (o nome é uma invenção minha). Voltei para trás um bocadinho antes de S'Arenal (creio, não tenho a certeza). Caña no quiosque-cervejaria Alaska, que tem a melhor cerveja e a pior clientela de Palma. Casa. Antes de me deitar vou ter de tomar um duche, é a única chatice desta conjunção de calor e pedais. Anda um gajo a tentar reduzir o número de duches e catrapum, cai-lhe um Verão em cima. Mas devo dizer que a dependência está cortada. Já consigo sair de casa sem ter tomado um duche e - ó milagre - sem ter feito a barba. Detesto dependências, sejam elas quais forem. Por exemplo: a água. Comecei a beber água regularmente e agora não consigo parar. Já lá vão seis garrafas, em outros tantos dias. A vigiar.
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Os fragmentos todos de todos os livros que não li, mai-los que li juntam-se aos fragmentos todos de tudo o que vi, vivi, ouvi, disse; fragmentos ditos e não-ditos. Tudo isto num tropel à frente do portão da cerca, como as manadas de gado excitado nos filme de cowboys. Fragmentos de vinho: Sebastiá Pastor, o rosé de ontem (syrah e mantonegro, uma casta local. O vinho era sublime); o rosé da casa da Sifoneria (mantonegro e tempranilla); o do Abracadabra (Barahona, o menos bom dos três, se bem mesmo assim interessante). Tudo isto num atropelo, fragmentos engalfinhados uns nos outros, desvariados, asfixiados, exorbitados.
Fragmentos: a única forma de os controlar é dar-lhes de beber primeiro e depois levá-los a passear de bicicleta à beira-mar.
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Casa: escrever, música, duche, cama. Meia dúzia de nêsperas. Vinho tinto da Es 20, melhor e mais barato do que o da U. Camembert demasiado frio. Bach, pelo luth encantado de Hopkinson Smith.
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As bestas estão mais ordeiras. Touros de uma lide que me saiu na rifa e da qual não sei desembaraçar-me. Não sei sequer se quero desembaraçar-me dela.
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Comprei brevas, uma espécie de figos que não é bem figos mas se parece como se fosse e vem das mesmas árvores. Favor que devo ao autor dos Segredos del Mediterráneo, a quem estarei para sempre grato, não só por causa das brevas.
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Dias grandes, cheios, mobilados por um deus vesgo.
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Adenda: esqueci-me do chimichurri. O argentino do mercado faz um que cheira bem que se farta. Marinei as febras naquilo hoje de manhã, estavam a precisar de uma mudança de vida, demasiado tempo de frigorífico. Há bocadinho fritei-as. Voltaram para o frigorífico: cozinhadas não devem fazer mal. À espera em chimichurri tão pouco.
(É importante falar nestas coisas, tirar o excesso de móveis do caminho, começar por desemabraçar os mais leves.)