31.1.17

Diário de Bordos - Guimarães, Portugal, 31-01-2017

A pastelaria onde tomo o pequeno-almoço chama-se Supremo Gosto. É um nome justificado, apresso-me a esclarecer. Daqui vou comprar mais duas peças de roupa à loja chamada Inflação Negativa. O nome é igualmente justificado e muito mais comercial do que Deflação. Já Coconuts como nome de um bar parece-me contestável, tanto mais que o bar é bonito. Tem um painel de azulejos lindo e clientes atraentes, faz uns Gin Tonic naqueles baldes amaricados nos quais hoje se bebem os Gin Tonic mas as proporções são correctas, não tem natas para um Irish Coffee mas tem simpatia que compensa tudo e mais alguma coisa. Não merece tal nome, mas merece ser frequentado.

E é isto. A próxima etapa é Aveiro, onde há muitos anos vivi e hoje vive um primo meu. Depois Genebra, para retiro operacional. Não consigo deixar de pensar na sorte que tenho em Lisboa não ser uma senhora; ou sendo-o não ser ciumenta.

Peles, futuros

Sinto-te na pele como se estivesses nela. Anulas a distância: estás aqui, em mim como eu em ti. Não percebo o que se passa: esta pele hiper-sensível não é a minha: é a tua e sinto-a como à minha como se fosse a tua. Somos uma pele e dois corpos, duas vidas e um futuro.

Por esse rio abaixo

Questão de nos deixarmos ir por esse rio abaixo, meu amor. Corpos luzidios, água fria porque vem da montanha, pedras ao longo de todo o caminho, sorriso nos lábios e mão na mão.

O resto é conversa: já viste uma pedra parar a água que corre? Eu não e nunca verei. 

Sono e demónios

Soberbo quarto de uma pensão de província; nem tão grosso quanto poderia estar nem mais do que quereria. Na confluência perfeita de sono, álcool, esperança, alegria, vida e capacidade de avaliar isto tudo.

Olho para mim e vejo demónios a sair-me pela pele. Riram-se à fartazana, estes últimos dois meses. Quase tenho pena deles, coitados.

30.1.17

Perhaps

Esqueci-me de tudo o que queria escrever! Era tanta coisa... Lembro-me de que queria falar da cervejaria Martins, um (mais ou menos justificado) monumento local. Mais porque a alheira foi provavelmente a melhor da minha vida, menos porque as batatas fritas estavam para baixo do assim. Mais porque me estou nas tintas para as batatas fritas, mais porque adorei o lugar, mais porque quando voltar a Guimarães (não é se. É quando) vou lá direito.

Queria falar também de não sei quê mais. É fodido, não é? Aquelas frases todas que iam revolucionar o mundo e que se desvanecem sem mais nem porquê... Olha, mundo, amanha-te. Eu bebo Bailey's, oiço distraído conversas de merda (enfim, de futebol, parece que um clube perto daqui ganhou qualquer coisa) à minha esquerda, vejo um casal seduzir-se à direita e penso em quão seduzido saio desta cidade.

Um gajo seduzido não pensa se não em vingar-se, não é? É, provavelmente (falta aqui aquele maravilhoso termo inglês: perhaps).

Diário de Bordos - Guimarães, Portugal, 30-01-2017

O dia começou bem: fui fazer aquilo que todos os cavalheiros fazem quando viajam - compras: artigos de higiene e roupa para um dia ou dois. Pelo menos os cavalheiros que gostam de viajar ligeiros, naturalmente. Eu gosto, mesmo sendo apenas parcialmente cavalheiro. (Claro que no regresso se vai um bocadinho mais pesado do que à vinda. Apesar disso esta estratégia tem duas vantagens: a) vai-se mais leve do que se se tivesse trazido roupa logo à partida - o fenómeno "talvez venha a precisar disto", que se repete demasiadas vezes, a maioria das quais inutilmente é bem conhecido; e b) o peso é só num dos trajectos e não nos dois).

Depois as coisas complicaram-se um bocadinho; descomplicaram-se; e até ver não há notícia de se voltarem a complicar, antes bem pelo contrário. Tudo indica que se vão descomplicar ainda mais.

Fiquei a conhecer várias lugares em Guimarães, todos eles aconselháveis - devo dizer que tenho uma guia que não sei se é mais bonita do que eficaz ou eficaz do que bonita, mas que é os dois é de certeza - e vou prolongar a minha estadia aqui até amanhã. O hostel F&B, Alojamento Local, sito no nº 98 da rua Dr. Avelino Germano (ao lado do Elvis Bar) é agradável, confortável, barato e tem o quarto aquecido decentemente. Não posso pedir muito mais.

A título de serviço público  - de que o pobre Don Vivo é adepto - aqui fica o nome do restaurante onde fui jantar: Restaurante Neca Magalhães, rua da Arcela nº 2019 (o bacalhau espiritual estava uma delícia, o vinha da casa é excelente, o serviço tão bom como o vinho e os preços ainda melhores).

Ontem fui beber um Irish Coffee medíocre (não se pode fazer um bom Irish Coffee com chantilly, por mais voltas que se dêem) ao bar Cinecittá. Não o aconselho para a mencionada bebida mas aconselho-o para outras, que não exijam devoção e espírito de sacrifício. Fica na Praça de S. Tiago nº 26.

Guimarães é o berço de Portugal e se não é é como se fosse: uma cidade em que as qualidades e defeitos do país se manifestam abertamente, sem falsos pudores nem complexos.

29.1.17

Turista

Sou um péssimo turista (ia dizer "sou um turista alternativo", mas a palavra anda com tantos sentidos por estes dias que é melhor evitá-la. Sou pela Kellyanne, no que respeita a esta palavra, para futuras referências. Mas só no que respeita a "alternativo"). Gosto mais das pessoas do que de paredes. Prefiro atmosferas (no sentido de ambientes).

Prefiro sentar-me num café e deixar a cidade desfilar à minha frente a visitar museus, centros culturais e torres Eiffel.

E dormir sestas. A sesta numa cidade na qual somos estrangeiros é diferente das outras, mais inquietante. "Onde estou?" pergunta-se frequentemente o dormidor durante o sono post-prandial.

"Onde estou?", pergunta-se uma vez acordado. "Onde estou?", pergunta-se uma vez nas ruas.

"Para onde vou?"

Alegria

Espraio-me pela alegria como uma gota de óleo por um tampo de mármore polido.

Diário de Bordos - Guimarães, Portugal, 29-01-2017

A modernidade é uma senhora muito bonita, por quem eu estou apaixonado mas em quem não tenho inteira confiança.

A pregaria Danúbio Bar, sita se não estou em erro na rua D. Afonso Henriques, Guimarães justifica essa desconfiança. É um faux-pas da modernidade. Mas a carne é boa; perdôo-lhe e continuarei a amá-la  (a modernidade. À Pregaria nunca mais regressarei, salvo urgência. Não é que o prego estivesse mau; não estava bom).

Turisto em Guimarães. Há pouco abri uma excepção à minha forma de turistar e fui a um Centro Cultural. Estava fechado, de modo agora oiço o relato de um jogo do detestável futebol na televisão atrás de mim e uma conversa em voz demasiado alta entre os dois empregados da "pregaria" à minha esquerda

Lá fora chove, venta, faz frio e tudo se cinzenta. Sinto-me no Porto há quarenta anos. O Porto mudou bastante, felizmente.  Talvez graças ao aquecimento global: já lá estive com dias cheios de sol, a cidade rejuvenescida. Até o cinzento mudou de cor.

Guimarães não sei. É a primeira vez que cá venho. Apesar da chuva a cidade é-me simpática. Mais do que simpática, na verdade. Adorável estaria mais perto.

Tomemos por exemplo o hostel onde estou. Antigamente chamar-se-ia Pensão ou Residencial Marques (suponho, com base na password do wifi). O quarto é grande, acolhedor, gélido  (mas a senhora ligou o aquecedor), bonito e dá vontade de aqui ficar pelo resto da vida.

Como não gostar de uma cidade assim, uma cidade em que um homem se prepara para a sesta como se se preparasse para uma estadia de vinte anos (mas não mais, Senhor, por favor)?

28.1.17

Lisboa, uma declaração

Passeio-te, Lisboa, ressacado e ressuscitado. Pareces outra e outro eu. Mas não: somos o que sempre fomos. Feitos um para o outro, iguais, não há terramoto que nos deite abaixo.

Vagueio-te sem destino, perdido na luz e no calor das tuas pedras. Estás de cara lavada. Até o calor voltou. Amo-te, Lisboa, porque ressuscitas a cada esquina e eu contigo.

Insatisfeitos

Lisboa ganhou ruas sem buracos e passeios mais largos.  Os adeptos do PS extasiam-se.

Parece-me uma boa maneira de gerir uma cidade: deixá-la degradar-se até pontos só imagináveis em África e depois repor a normalidade. Os adeptos do partido no poder vão achar que estão no Paraíso; os outros passam por chatos insaciáveis.

Diário de Bordos - Lisboa, 27-01-2017

"What shall I do / with a drunken sailor", diz a canção. "How shall I become / a drunken sailor", pergunta-se o marinheiro. 

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Lisboa é uma cidade maravilhosa entre outras coisa porque se pode sair da Barraca onde se ouviu a poesia sanguinolenta e linda de Cláudia R. Sampaio e daí vir ao B.Eleza ouvir a música luminosa de Manuel Martins.

(Gosto da poesia que cheira a sangue, suor, esperma, lágrimas, merda, tabaco velho e coisas do género).

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Venho ao Bar Americano, o único bar do Cais do Sodré vazio nesta noite de sexta-feira. Há um músico medíocre e um bêbado que, miraculosamente, o consegue fazer pior ainda.

É para mim o melhor bar da zona, depois do O'Gillins. Este tem música boa e os bêbedos não intervêm nela. Só desgraças.

Mas aposto (não fui ver) que está cheio ou fechado. O Bar Americano está aberto e vazio, com a discutível excepção do bêbedo que insiste em foder a musica ao músico. Como se este não fosse suficiente.

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No B.Leza hoje festejaram os aniversários da Sandra e da Tatiana. Há coincidências, não é? 

26.1.17

O estofo da maré

A maré baixa chega ao fim. Agora é o estofo; terça ou quarta-feira começa a enchente. Foi longa e penosa mas teve alguns méritos, como todas sempre têm. Tudo o que não me mata torna-me mais forte e ensina-me qualquer coisa. Esta teve um bónus suplementar: confirmou que se pode - se deve - ter confiança na maioria das pessoas.

Foi longa e penosa, interminável, mortal, desesperante. Espero que seja a última. Esperamos sempre, não é? É. Ainda bem.

24.1.17

Diário de Bordos - Lisboa, 23-01-2017

Noite grande de grande poesia no cada vez maior Povo. Quem diria que uma prática começada em S. Luís do Maranhão com o meu amigo, irmão e mais Celso Borges - ler poesia em público - se tornaria tão vital em Lisboa?

Talvez a poesia seja a muralha que aguenta - afugenta - a acqua bassa. Isto é: impede a maré de baixar completamente. Talvez seja o antídoto, o remédio, profilaxia - tudo ao mesmo tempo, que a vida não se compadece com divisórias fantasmas -.

A poesia é de certeza a única coisa que impede o tempo de parar.

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Estou a tentar tão fortemente ficar em Portugal que corro o sério risco de conseguir.

Vai ser o primeiro inverno completo em seis anos. Sorte ser aqui. Imagine-se que era na Suíça, na Noruega, na Alemanha.

Por mais que a incensem a civilização não é tudo.

23.1.17

Diálogos hipotéticos

- A vida ganhou. Eu perdi.
- Alegra-te. Enquanto não for a morte a ganhar está tudo bem.

Vida, teimosia

No eterno combate entre a vida e a teimosia forçoso é reconhecer que aquela ganha mais vezes. Mas as vitórias desta sabem melhor.

20.1.17

Memorandum

"Tenho frio é uma forma incorrecta de dizer: estou insuficientemente vestido", dizia-me um norueguês com quem naveguei da La Coruña a Copenhagen.

Se vivesse em Lisboa acrescentaria "ou: a casa não está aquecida".

19.1.17

Incapacidade

Não é por ser arrogante ou pedante que não gosto de má literatura, seja ela prosa ou poesia. É por incapacidade, por insuficiência.

Não a consigo compreender. 

Evolução

Um amor-que-não-foi evoluiu em amizade-que-é.

Obstinação, felicidade

"És feliz?" pergunta-me. "Sou, não sou, sou, não sou, sou..."

Talvez a pergunta se possa desdobrar em "estás feliz?". E a resposta em "Não estou, mas estarei. Tenho em mim a capacidade de ser feliz. Essa é mais duradoura do que a felicidade, mais resistente, resiliente. Obstinada".

Ser quem não sou? Porquê?

"Pode alguém ser quem não é?", pergunta uma canção. "E por que raio de carga de água quereria alguém ser quem não é?", pergunto eu

Aparências, maré baixa

Critico frequentemente as pessoas que atribuem demasiada importância às aparências. Nestes momentos de acqua bassa vejo quão enganado estou.

Diário de Bordos - Lisboa, 19-01-2017

Estariam vinte e muitas, trinta e poucas pessoas no café Tati para ouvir o Gonçalo Marques e a sua banda Reiquiavique (não sei se ele grafa assim). Com a possível excepção de todos aqueles que hoje em Lisboa encontraram o amor das suas vidas (espero que muitos) ou ganharam o euro-toto-loto-milhões (decerto menos) essas pessoas foram as mais sortudas da noite.

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Há precisamente um ano estava em Atenas com temperaturas ainda mais baixas do que as que estão aqui.

Não sei que sentido dar a esta informação. Será um bom ou um mau augúrio?

Enfim: será um augúrio? Eu creio que não, pero que las hay...

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Este último mês foi um dos mais difíceis de sempre. Não quero dizer que não tenha tido piores. Já tive. Mas este vai para o pódio de certeza. O pior é ter acontecido tão perto da meta.

Melhor ver a coisa pelo outro lado: nunca me senti tão perto da meta.

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Diz-se frequentemente que os amigos são irmãos que escolhemos. São o inverso: irmãos que nos escolhem.

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Acabei Os Amantes e outros contos de David Mourão-Ferreira e comecei Jogos de Azar de Cardoso Pires. Não sou muito dado ao neo-realismo, mas forçoso é reconhecer que dentro do género Cardoso Pires é dos melhores.

Pelo menos consegue tornar legível o horror. Não é pequena proeza. 

16.1.17

Acaso

Questão de acaso, simplesmente. Um homem vai pelo passeio; tropeça, cai para o lado da rua, um carro desvia-se, o motociclista que vinha em sentido contrário assusta-se e guina bruscamente para o passeio oposto, cai para cima de um carrinho de bebé. A senhora que empurra o carrinho ajuda-o, o bebé chora com aquele capacete que por sorte não o atingiu na cara. O motociclista tira o capacete. Do outro lado da rua o senhor que tropeçou levanta-se sem ajuda e continua o seu caminho. O carro tão-pouco parou. Ficam o motociclista, a criança e respectiva mãe.

Daqui nasce uma história de amor. Agora é preciso decidir se a senhora é casada, divorciada ou viúva; e o homem também, embora a priori pareça mais fácil: ia sozinho na sua mota. A senhora não. Aquele bebé veio-lhe de alguém. A menos que não seja o dela, claro. Pode ser empregada dos pais da criança, por exemplo. Pode tê-la raptado da creche ou de um centro comercial durante uns minutos de falta de atenção dos pais. Ou então não a raptou: o carrinho de bebé estava abandonado e ela em vez de o levar à Polícia levou-o para casa. Inimaginável o que a vontade de ser mãe consegue. Ou está a tomar conta do filho de uma amiga que tinha um encontro com o amante ou consulta no médico.

Vamos começar por definir a idade da senhora? Trinta anos. É uma idade bonita numa mulher. Entre os trinta e os quarenta, vá. Advogada. Loira, baixinha, bonita. Tem um sinal no lado esquerdo da face. Junto ao olho? Ao canto da boca? Perto da orelha? Alguém disse uma vez que as mulheres têm os sinais junto à parte do rosto que acham mais interessantes, mas é possível que seja ao contrário: olhos, nariz, lábios, orelhas ficam mais bonitos com um sinal por perto. Talvez as mulheres escolham a localização do sinal para tornar bonita a parte do rosto que acham feia.

Tudo é sempre possível. A função do escritor é justamente desfazer as possibilidades, reduzi-las a uma só, poder dizer: "Foi assim que as coisas se passaram".

Mas ainda estamos na cena do acidente. A senhora com um sinal do lado esquerdo da cara ajudou o motociclista. Este trata agora da mota. Tem de a tirar da rua, está a empatar o trânsito. Ouvem-se buzinas, impropérios. A senhora faz sinais para tentar explicar aos condutores que têm de esperar. A mota é rapidamente posta de pé. O trânsito reflui. O homem agradece à senhora. Não está ferido: vinha devagar. Tem claramente a idade da mulher. Agora há que decidir o que fazia ele ali, como se chama, se é alto ou baixo, gordo ou magro, bonito ou feio. Todos os pormenores contam.

Mas antes estabeleçamos que o carrinho está um pouco amolgado, a mota sofreu duas ou três avarias menores - partiu-se um retrovisor, entortou um pedal -; o bebé está nos braços da mãe e já não chora.

- Bom dia. - Ou seja, o acidente ocorreu de manhã - Obrigado pela sua ajuda. Desculpe-me, vi o carro vir para cima de mim e guinei impulsiva e descontroladamente. - Fala bem, articula as sílabas. - Eu pago a reparação do carrinho do bebé, claro.
- Viva. Não se preocupe. De qualquer forma o rapaz tem dois anos. Já é altura de andar. Chamo-me Catarina. Quer vir beber um café? Deve estar um bocado abalado, não? Dói-lhe alguma coisa? Não tem nada partido?
- Obrigado. Sim. A mota pode ficar onde está. - Ricardo estava surpreendido com a solicitude e a simpatia da senhora.

- O meu nome é Catarina, sou controladora aérea e viúva. O meu marido morreu num acidente de mota quando eu estava grávida de três meses do João.
- Controladora aérea? Pensei que fosse advogada... - Ricardo sentiu-se tolo, desajeitado, inadequado; como sempre, de resto. De todas as informações que ela lhe dera escolhera a menos importante: o seu erro.
- Dizem-me isso frequentemente. Não sei porquê.
- Enfim, pouco importa. Lamento pelo seu marido. Esta é a segunda vez que caio, mas a primeira foi há muito tempo, pouco depois de ter trocado o carro pela mota e ainda não conhecia os meus limites. Sou... - que profissão vamos dar a Ricardo? Intuitivamente diria jardineiro-paisagista, mas a verdade é que sei muito pouco desse trabalho. Também pode ser arquitecto, escritor, barman. Engenheiro não. Não quero um engenheiro nesta história. Bancário, professor universitário - se sim, de quê? -

- ... Sou arquitecto naval, divorciado, sem filhos. - O habitual sentimento de desajuste reaparece, mas Ricardo afasta-o. "Desta vez tenho uma desculpa. Foi ela que começou". Catarina não deu pela pausa, claro. Nós não sabíamos a profissão de Ricardo, mas ele sim.
- Arquitecto naval? Que giro! Adoro barcos.
- E eu aviões. Hesitei muito, mas no fim o mar acabou por vencer.

A conversa continua. Do senhor que caiu e a provocou nunca saberemos nada. Ricardo e Catarina trocam números de telefone, endereços de e-mail, páginas de Facebook. Skype? Não é preciso. Vivem na mesma cidade. Quando muito Whatsapp, mas não é importante.

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A primeira parte do conto está feita: já sabemos quem são as personagens, o que fazem; já encontrámos maneira de as fazer encontrarem-se. Mas isto é só o princípio. Não sabemos o que vai acontecer a seguir. Nunca se sabe, não é? Sabemos que cada um gosta do que o outro faz e simpatizaram o suficiente para trocar contactos. É tudo mas é pouco. Temos que ser nós a construir o que se seguirá. Tal como eles, de resto. O acaso ajuda a começar ou a acabar uma história, mas não a mantê-la. Não sabemos se gostam ambos das mesmas coisas - podemos imaginar que Ricardo gosta de pintura, por exemplo; de artes gráficas, de escultura - e de como gerem as diferenças, cimento maior de uma relação, muito mais do que as semelhanças. Não é aquilo que temos em comum que nos faz amar quem amamos, é a maneira como lidamos com o que não temos em comum.

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- Não sei. Não sou nada curiosa. Só me interessa o que tenho no radar - diz Catarina. - O que sei de onde vem, para onde vai e porquê. "Se" já matou muita gente.
- Deus matou muito mais - retorque Ricardo. - Eu sou ao contrário: não me interessa o que é; interessa-me o que poderia ser. Como seria esta quilha se...? Como seria esta receita se...? - É assim que ficamos a saber que Ricardo gosta de cozinhar. É um homem alto, bonitão, leve: tem êxito no seu trabalho mas não se deixa esmagar por ele.

Catarina e Ricardo encontram-se pela segunda vez. Não sabemos quem tomou a iniciativa. Provavelmente ele, com o pretexto - ou a finalidade - de lhe agradecer a ajuda do outro dia. Ricardo separou-se há algum tempo.

Estão num café à beira-rio. Nenhum deles sabe o que quer ou espera do outro. Catarina tem muito tempo livre: trabalha um dia em três. Ricardo trabalha muito e todos os dias.

- Um desenho não está acabado quando o barco está na água. Depois há que acompanhá-lo. Especializei-me em barcos de regata. Veleiros de competição. Trabalho com um atelier em França. É preciso ver os pontos fortes do desenho e os fracos, ver se foi a boa escolha para aquele navegador. Eles participam bastante no desenho e na construção, mas apesar disso é preciso fazer o seguimento das regatas. Posso ser chamado a qualquer instante, se alguma coisa se parte.

Ricardo começa a definir-se: não quer seduzir mas não se importa de ser seduzido. Gosta do que faz. Como eu, mais ou menos: gosto do que faço. Não poderia fazer outra coisa, sei-o de experiência. Já a parte da sedução é diferente: prefiro seduzir a ser seduzido, apesar de ter muito mais sucesso nesta do que naquela. As personagens são como filhos, crescem e desaparecem.

Catarina está feliz. Disse há pouco que nenhum dos dois sabe o que quer ou espera do outro. Era verdade quando o escrevi. Agora não: quer apaixonar-se por Ricardo.

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- Amo-te significa Quero amar-te - diz-lhe. Já estão na cama, acabam de fazer amor. Ricardo foi à cozinha fazer um chá, de que é grande apreciador. Estão em casa dele. Catarina deixou João com a mãe.

- Preciso de férias, mãe. Ficas-me com ele este fim-de-semana, por favor?
- Não é bem de férias que precisas, querida, se bem a inicial seja a mesma. Fico, claro.

Catarina há muito que está habituada à liberdade da mãe com a linguagem, as ideias, o "Que dirão?" e não liga à piada. Agradece e sai para se encontrar com Ricardo.

Falemos da mãe de Catarina antes de voltarmos à história de amor. Pelos meus cálculos terá sessenta, sessenta e cinco anos: nascida na primeira metade dos anos cinquenta. Foi "primeiro hippie, depois contestatária, a seguir burguesa de esquerda para acabar simplesmente livre". Cito-a, daí as aspas. Deixou o marido - pai de Catarina - ainda esta não era adolescente. Desde aí não tinha namorados. Tinha "homens":

- Hoje vem cá um homem dormir a casa, querida. Mas não te preocupes porque não fica muito tempo. A este dou uma semana. (Ou: dois dias; ou: um mês). Catarina entrou na adolescência a pensar que os homens eram uma espécie de pastilha elástica que se mastiga e deita fora. Depois, por reacção à mãe - chamemos-lhe Francisca, pode ser? - tornou-se monogâmica de longo prazo. Casou-se com o homem que conheceu aos dezoito anos e dele teve um filho, João (o que recebeu Ricardo no seu carrinho e se assustou, naturalmente). Francisca continuou a sua variada vida sexual e afectiva: o amor é um pássaro azul no alto da madrugada, etc. É uma mulher bonita, inteligente e livre. As duas primeiras qualidades atraem-lhe os homens que quer; a última filtra-os. Catarina tem com a mãe uma relação de amor combativo: ama-a e detesta o que ela faz. Parece-lhe excessivo, inadequado, provocador "porque sim". Toda a liberdade é excessiva, mas Catarina ainda é demasiado nova para o saber. Se não for excessiva não é liberdade. É outra coisa qualquer. Abertura de espírito, por exemplo. Uma trampa. A liberdade ou transborda ou não é.

Por isso escolheu uma profissão onde não há atalhos nem excepções à regra. As normas são o que são e não são o que não são. Nada no meio. "O que não está no meu radar não me interessa".

.........
Não nos esqueçamos todavia: temos uma história de amor para construir. Estas diversões são bem vindas (Francisca é uma dádiva) mas afastam-nos do cerne da história. Que caminho dar-lhe? "Viveram felizes para sempre" fica de fora à partida: isto não é um conto de fadas. O amor não cai do céu, pronto e à espera de ser digerido. É preciso fazê-lo: modelá-lo, construí-lo, aparar-lhe as unhas, cortar-lhe o cabelo. Não nasce feito; nasce imperfeito, incompleto, manco.

E neste caso ainda mais complicado: há um bebé na história. Um amor a três. Será que Ricardo quer um filho que não é dele? E como vai interagir com João? Como pai ou como amigo da mãe? Que espera Catarina? Quer partilhar a educação do filho ou pensa que Ricardo não têm nada aver com o assunto? Eu não viveria com uma criança se não tivesse autoridade sobre ela, mas a verdade é que nada é mais pessoal do que a educação de um filho. As pessoas aceitam críticas sobre quase tudo na sua vida; mas quando toca à educação das crianças alto e pára o baile. Nada. Se Catarina não aceitar que Ricardo interfira na educação de João não creio que seja possível fazê-los continuar juntos.

De momento ainda é cedo, note-se. Ricardo continua na sua casa na Graça, com uma vista bonita para o Tejo e Benedicta em Alvalade, num daqueles apartamentos da classe média-alta que sufocam Ricardo, lhe tiram o ar de tão previsíveis, tão banais na sua busca de originalidade.

II
Façamos o ponto da situação: por causa de um acidente de viação um homem e uma mulher encontram-se. Têm idades semelhantes - trinta a quarenta anos - vêm do mesmo estrato social e estão ambos livres afectivamente. A mulher - que começou por chamar-se Catarina mas depois ficou Benedicta, por razões que agora não vêm ao caso (e nunca virão, por inexistência) - é viúva e tem um filho pequeno, João. É controladora de tráfego aéreo. Ricardo, o homem é arquitecto naval, cozinheiro amador e divorciado. A mãe de Benedicta é uma senhora que - tivemos oportunidade de o ver - não liga a convenções sociais. De Ricardo sabemos menos: não encontrámos ainda nem a ex-mulher nem outro familiar; sabemos que é um homem bonito, que ama o seu trabalho e é reconhecido internacionalmente.

Os dois atraem-se o suficiente para já terem dormido juntos. Não sabemos se muitas se poucas vezes. Ricardo hesita em tornar esta relação mais séria e duradoura. Há no carácter quadrado e afirmativo de Benedicta algo que o atrai: a independência. É solícita, altruísta, simpática, bem-educada mas é fundamental e basicamente uma mulher livre, despojada - apesar de ganhar muito bem, ou por isso - desatada. E é ferozmente sensual, o que Ricardo aprecia. Para Benedicta o sexo não é ir ao encontro de Ricardo. É ir ao encontro de si própria. Mergulhar nela como se procurasse um poço cada vez mais fundo para cair.

É pequenina, tem os seios bem feitos, nem grandes nem pequenos, o ventre liso, olhos azuis, cabelo loiro pelos ombros.

- Não há actividade mais egoísta do que o sexo - disse um dia a Ricardo. - Quem diz o contrário ou mente ou não percebe nada de cama.

Ricardo não tem opinião formada sobre o assunto. Nem, de resto, sobre a maioria das coisas. Gosta de considerar todos os aspectos de um problema, de os pesar. No mar não há absolutos: o que se ganha de um lado perde-se do outro. Mais conforto é menos velocidade, mais capacidade de bolinar e perde-se à popa; e por aí fora: nada há numa embarcação, seja ela grande ou pequena, que não resulte de um compromisso entre forças antagónicas. Para Ricardo optar por um ou outro lado de um problema é quase uma violência. Examina-o por todos os ângulos, pesa e contrapesa argumentos, dá a volta a cada parâmetro. Sabe que não há absolutos: se as embarcações de regata hoje têm a popa tão larga é porque há cada vez menos bolinas nas regatas. Um dia essa tendência inverter-se-á; as popas estreitar-se-ão e as bocas diminuirão.

Quando Ricardo chega a uma decisão - seja em que área for, do sexo à política passando por um livro, um filme ou um jantar - Benedicta sabe que é muito difícil - mas está longe de ser impossível - fazê-lo mudar. São precisos argumentos mais fortes do que todos os que ele avaliou antes. É todavia com prazer que muda, contradição que ela nunca percebeu. Para Ricardo mudar de opinião é aproximar-se da “verdade” (palavra e conceito que ele raramente usa sem aspas), não afastar-se dela.

- A Terra é redonda, mas o próximo porto será sempre melhor do que o que acabámos de deixar.

Dar prazer é uma forma de comunicação. Ricardo acaricia lentamente os seios de Benedicta, beija-lhe os lóbulos das orelhas, chupa-lhe os dedos dos pés, passa-lhe os dedos pelos cabelos, pelo sexo, pelas comissuras dos lábios. Olha para ela, que tem os olhos fechados, quase indiferente à origem do prazer. Quase: como aprendeu ao sair da adolescência um homem não é intercambiável. Não é apenas dos dedos de Ricardo que lhe vem o prazer. É do que Ricardo sente por ela, porque os dedos...

- Que se foda - diz em voz alta. - Amo-te.

Pela primeira vez a palavra amo-te é utilizada desta forma entre eles. A sua história começa aqui e a nossa acaba. O resto está nas mãos injustas mas hábeis do acaso e nas inábeis, desajeitadas mas determinadas de Benedicta, Ricardo e, quando chegar a altura, João.

Pobreza, riqueza

Só devia ser permitido (pelos deuses, pela vida, pela luz; políticos e legisladores não são para aqui chamados) aceder à riqueza depois de se estar farto de ser pobre. Não no sentido de ter sido pobre muito tempo ou muitas vezes, mas no de não se aguentar a pobreza nem mais um segundo.

15.1.17

Paus

Verifico com prazer que o termo "paus" volta a ser usado. Euros é chato e aéreos demasiado próximo da realidade. Paus é bom.

12.1.17

Em defesa do trabalho doméstico

Qualquer tarefa doméstica - incluíndo a passagem de camisas a ferro - é melhor do que esperar um e-mail ou uma chamada telefónica.

De gustibus non disputandum est

Gosto da poesia que cheira a sangue, venha ele de onde vier. 

A educação dos dias

Os dias são bem educados: sorri-lhes e eles repondem-te com um sorriso; morde-os e esquivam-se, fogem de ti; bate-lhes e eles desfazem-te. Devolvem-te em dobro o que lhes deres.

Amanhã, sede

Amanhã é um labirinto desenhado por um louco para o qual não há cartas. Esquece-o.

Ou melhor: bebe-o hoje. Quem sabe se amanhã haverá sede?

11.1.17

Aldeia

É uma aldeia pequena: quinhentos habitantes,  contando com os que se estão a ver ao espelho.

Palavras, gatos

Odeio as palavras. São ainda mais desobedientes do que os gatos. Um gajo abre-lhes a porta e depois por mais que as chame elas não voltam para dentro.

Ir às compras

Há compras de que gosto: comida, livros, discos; e outras que detesto: roupa, sapatos, óculos.

Gosto de ir aos mercados de rua ou cobertos de manhã cedo. Começa pelo cheiro, por ver as pessoas que só conheço de as ver ali. Falar com os vendedores, trocar uma laracha ou duas; ir sem ideias ou com elas vagas, esqueletos de menus e vontades. Não comparo preços, sou péssimo nisso. Mas comparo tudo o resto: a frescura, o tamanho, a simpatia do vendedor. Ando às voltas, passo duas e três vezes por cada stand, às vezes cedo a um impulso. Raramente. Vejo as cores. Há muitos anos trabalhei uns meses em mercados (fazia dois por semana), sei a importância da composição da banca.

Por esta altura já imagino o que vou fazer: sopa de tomate,  caldo verde, sopa fria de pera-abacate se estivermos no Verão, alho-porro. Faço agora as voltas mais focado. Escolho legumes que se mantenham muito tempo no frigorífico e se deixem cozinhar devagar. Cozinhar devagar. Ver as especiarias, por muito cheia delas que esteja a despensa.

Da ida ao mercado faz inevitavelmente parte um copo de vinho ou uma cerveja. Devagar. Roubar tempo ao tempo. Falar com um vendedor ou um cliente que por ali faça o mesmo ao tempo. Trazer as coisas para casa, arrumá-las, aperceber-me do que me esqueci. 

Ver dos planos quais os que são concretizáveis e quando. Abrir uma das garrafas de vinho que comprei, prová-lo, fazer notas mentais sobre os vendedores. Serão esquecidas até à quinquagésima vez, mas não faz mal. Lembrar-me dos cheiros.

Cozinhar devagar, dormir a sesta, ler, amar se for caso disso. 

Repetir aquando do próximo dia de mercado.

O silêncio dos icebergs

Os icebergs separam-se com grandes fragores. Ouvem-se milhas em redor. Mas que sabemos do que se passa dentro deles quando rompem com a banquise? Terão fracturas, fendas, placas tectónicas? Poder-se-ia escrever um livro chamado Todo o Iceberg é uma Guerra Civil ou esse é um privilégio reservado ao homem?

10.1.17

Declaração e pergunta numa só longa frase

Por onde andas tu, mulher, que onde tu andas anda o meu pensamento e eu quero-o aqui perto de mim, para que estejas tu também e de pensamento passes a pele e de pele a vida e de vida a sempre, que assim tão longe pareces nunca, pareces passado, pareces passos que a neve abafa?

Elans

Tadinho acordava todas as manhãs com o coração a transbordar de amor; quanto mais bagaço bebera na véspera mais amor lhe jorrava dos poros todos. "Tenho as ressacas xaroposas", felicitava-se. "Mas agora talvez seja melhor começar a beber whisky, ver se em vez de sair amor entra carcanhol".

O problema sendo que para se beber whisky é preciso mais dinheiro do que para o bagaço. "De qualquer forma também não tenho sorte nenhuma com os elans xaroposos. Nada me garante que enfrascando-me com whisky começasse a ganhar dinheiro. Mais vale manter-me assim. O melhor falhanço é o que se conhece".

9.1.17

Tripé, vida

Dizer-te o que tenho para te dizer: palavras, mãos e pila. O discurso do amor é um tripé.

Que sustenta o mundo, a vida.

Legível, desde sempre

Escrever na casca de uma árvore viva uma longa declaração de amor. Não me refiro àqueles estúpidos e adolescentes corações atravessados por uma flecha. Não: uma verdadeira declaração de amor: "Amo-te porque és a única solidão na qual a minha se reconhece; o único futuro no qual o meu passado se reencontra com o teu; o único olhar que sabe para onde estou a olhar. A única pele com a qual me poderia cobrir, os únicos braços nos quais me sinto livre, os seios que cabem nas minhas mãos sem as encher de perguntas, porque és as respostas às perguntas que não sabia sequer quais eram até te amar". Etc., por aí fora.

Uma declaração que cresceria com a árvore: cada ano acrescentaria um parágrafo, uma razão para amar, uma imagem, uma expressão de desejo. Como um anel dos que estão no interior do tronco.

Um amor legível: um dia alguém cortaria essa árvore e com ela faria uma quilha, a cumeeira de um telhado e a declaração lá estaria, para sempre. Desde sempre: talvez tivesse nascido com a árvore. 

8.1.17

Equilíbrio

O nível de esperança mínimo necessário para se manter em vida mas insuficiente para ser alegre. 

7.1.17

Amo-te, vida

Dizer "amo-te" hoje, nas condições em que estou não produziria se não um ataque de riso em qualquer miúda decente.

Excepto claro se se chamar vida. É a única que me ouve e vê e não se ri.

Pedras, cansaço

Quando era mais novo consumia muita erva, hasch, óleo e outros derivados. Tonteria, claro: uma boa pedra de cansaço vale as de todas essas coisas.

E é mais barata.

5.1.17

Sesta

As inquietantes feras do sono. É a elas que me refiro. Esquece as mamas, o ventre, a pele na qual me perdi tantas vezes, tão poucas.

Dormir-te é um poço de feras sequiosas. 

Excertos de um diário fictício

As portas do dilúvio abriram-se mas o dilúvio enganou-se e saiu nevoeiro. Ontem (ou hoje de manhã) A. dizia-me que o nevoeiro traz, não leva; eu perco-me no nevoeiro. E perco tudo. Em terra o nevoeiro é bonito: escondendo o que está longe força-nos a olhar para o que está próximo. Ou para o que foi mas ainda está porque o que está fica, como também hoje à noite disse eu, passe a auto-citação. Bom. Interessa pouco. Dos bancos de névoa cerrada da Namíbia aos de menos cerrada mas mais próxima de Lisboa; da névoa do Mar do Norte, odiosa porque habitada à do Mediterrâneo, amável porque efémera todas as brumas são horríveis e belas.

Esta noite não sonhei; se tivesse sonhado ter-me-ia passeado pelas brumas de Sintra, da Praia das Maçãs, da Praia Grande, das Azenhas do Mar. Ou teria ido para os lados da Margem Sul: Alcochete, Montijo, Seixal, de que tanto gosto e no qual tanto sonhei.

Não gosto da bruma porque não vejo longe, gosto dela (quando estou em terra) porque me obriga a ver melhor o que muitas vezes não vejo por demasiado próximo; porque me fez, como hoje, dizer coisas que estavam escondidas e soterradas e postas de lado na bruma da memória (lá está) e graças a ela (bruma) viram a por assim dizer luz do dia, porque a há. Há luz e há dia, note-se. Mesmo que fosse um eclipse haveria dia e luz, se não agora daqui a pouco. Daqui a pouco é a palavra chave: falta pouco.

Falta pouco.

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O aquecimento global continua a fazer-se notar, sobretudo ao nível do arrefecimento local. É assim como "poder autárquico versus poder central" (mas sem os milhões do Costa, claro).

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De escantilhão. Talvez seja assim que se sonha: de escantilhão. Ou se fala, se escreve, se pensa, se sorri. Cada sorriso são milhões de outros sorrisos que se escondem por detrás do que se está a ver, como as palavras que se escrevem ou dizem. Cada uma esconde mil e de repente aparecem todas. De escantilhão. É preciso andar de roda delas, dar-lhes a volta, dar-lhes pontapés. Nada de ternuras. Sobretudo nada de ternuras com as palavras. Tratá-las mal. Sufocá-las como elas nos sufocam.

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Foi assim que tudo aconteceu. Já aqui um dia o disse e o que aqui digo não é dito para o boneco, ou porque sim. Foi assim: alguém bateu no casco. Abri a escotilha e no pontão estava uma interminável fila de palavras. Mas eram todas feias, não havia uma bonita. Fiz de porteiro de discoteca e comecei a seleccioná-las. As que deixava passar estavam todas contentes. As outras gritavam: "Censura! Censura!" Mandei-as para o caralho (esta era uma das palavras que deixara entrar momentos antes).

Fechei a escotilha e fui para a cama com as palavras que tinham entrado. Todas ao mesmo tempo. Foi uma orgia indescritível. Imaginem: eu - velho, gordo, careca, surdo, feio - único macho no meio de não sei quantas palavras esfomeadas. Acordei exausto, claro. Elas tinham-se ido todas embora.

Uma delas ficou para trás. Era "chato". Como em "És um chato". Pu-la fora, também. Bilhete de desembarque. Os únicos chatos admitidos a bordo são os bichos.

(Para a M. M., surpreendentemente)

Aviso à navegação

Perdi a chave do baú dos beijos. Deve andar por aí perdida no meio da névoa. Se alguém a encontrar por favor guarde-a. Consequência sem dúvida de ter acordado às oito da manhã convencido de que era meio-dia e meia hora. Esta desorientação temporal (em todos os sentidos)  provocou uma agitação das massas de ar osculatório. Atenção: se alguém abrir o armário por favor faça-o com cuidado; não vão os beijos todos escapar-se. Uma vez cá fora são difíceis de recuperar. Em contrapartida são benignos. Não fazem mal a ninguém e até há quem me tenha já dito que fizeram bem. São beijos na sua maioria simples, mas alguns há mais complexos. Podem ser consumidos à vontade: não têm prazo de validade.

Mãos, noite

É pela calada da noite que elas vêm, caladas, as garras que escondes na pele. Olho-te para as mãos e não as vejo. Isto é: vejo as minhas. As tuas pertencem à noite: não se vêem.

Letras, pele

Por mim deixaria as letras escorregar-me pelos dedos como se fossem pele. A tua, claro.

As letras formariam palavras e a pele um corpo. O teu, claro.

Da esperança

É tarde e o frio voltou. De fora pouco espero e de dentro igualmente. Não sei como explicar-te que de um olhar se extrai uma pele se se quiser; e se não uma dor ou um alívio. Estas coisas equivalem-se quando nada ou pouco se espera e o muito se procura. Procurar, esperar, dor, alívio. Pele, olhos. Dentro, fora.

Estás dento de mim e fora, vejo-te os olhos mas não a pele, é tarde e está frio, procuro e espero. "O nevoeiro traz", dizes. "É esperança". Prefiro o frio: sei como dele me abrigar. Da esperança não.

Feliz impossível

Bom, sim, claro: imaginemos o mar. Frio e sem vento por causa do nevoeiro. "As coisas estão bem feitas, vês?" dizes-me. "Com nevoeiro não se vai a lado nenhum e portanto não se pode ver".

Discordo: nevoeiro é aquilo que todos os dias não vemos tornado visível. Eu, por exemplo, escolhi não ver o desejo. Gosto dele escondido como o sol por cima do nevoeiro.

Inalcançável, dirias se pudesses dizer. Ali, diria eu se pudesse dizer.

Estamos presos na impossibilidade de dizermos.

Conjugação, laranja

E se depois de sermos antes de ser formos? Não sei. O verbo ser tem um tempo apenas e só um: ser hoje o que antes não fui contigo e amanhã contigo serei.

Uma conjugação simples como pele de laranja.

Que se veja

E se depois tudo se perdesse neste nevoeiro nada estaria perdido porque se é verdade que o nevoeiro se vai, mais tarde ou mais cedo, o que nele está fica. Nada é diluível no nevoeiro. Pelo menos nada que se veja. 

Ser-te

Seria um dia preciso dizer-te.

Seria um dia, antes desse, preciso ouvir-te.

E se depois um dia te dissesse e te ouvisse seria preciso ser-te.

Sequência

Quero apaixonar-me perdidamente por ti. Isto é: já estou, mas gostava de poder dizer-to. Isto é: já to disse, mas gostava que pudesses ouvi-lo. Isto é: já o ouviste, mas gostava que pudesses retribuir. Isto é: podes, mas gostava que quisesses.

Diário de Bordos - Lisboa, 04-01-2017

Nevoeiro cerrado. Quase se vê a luz dos candeeiros empurrar as nuvens ou se ouve estas a gritar a cada picadela de um mastro.

Eu gosto. A temperatura subiu, o vento caiu, a doca está mais calma. Há momentos em que não se ver ao longe é uma bênção. Ser impedido de ver longe. Sem vento não se vai a lado nenhum, não é? Que sorte.

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Jantar em casa de A. G. Soberbo. Os dois filhos mais velhos levam-me cada um deles a um ponto diferente do meu passado. Interessante conversa com H. sobre os sinais de distinção social, coisa que abomino em Portugal. (Passo pormenores. Não me são abonatórios). A. e H. vêm daquele ponto subtil e frágil em que a alta burguesia encontra a nobreza. Ficaram com a melhor parte do negócio: a inteligência, o humor e a simplicidade da nobreza. Do resto não reza a história.

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Acabo finalmente A Short History of Myth, de Karen Armstrong. Vou relê-lo de seguida e depois falo. Até agora: não percebeu que o século XX também produziu mitos: o marxismo, o ambiente. A diferença é que esses mitos têm agora força política. Isto é, a tragédia deixou de ser mítica.

4.1.17

Quase-ditos portugueses

Era de esquerda e escrevia muito bem. Dele diziam alguns amigos mais de direita "Compensa o mal que pensa com o bem que escreve".

Pragmatismo

- Convido-te para a lenta liturgia do amor - disse-lhe, apaixonado e solene.
- Oh homem, cala-te e fode - respondeu, pragmática. 

3.1.17

Larga de mão, dá volta

Não é bem uma cascata, mais uma queda de água violenta, alta que cai em mim. Por vezes a água sobe em vez de cair. Ou pára imobilizada no ar, congelada, em silêncio. É uma queda, mais do que de água uma queda de mim em mim para mim, invisível de fora, sem fim, sem princípio, sem meio. Cortina de água que limpa tudo à passagem, arrasta toros, cadáveres, abutres, nuvens carregadas de porcaria. Água. Separar as águas. Deixar à miséria o que à miséria pertence. Não tomar banho nesse rio. Deixar cair, deixar ir. Largar de mão. Dar volta à manobra.

Diário de Bordos - Lisboa, 03-01-2017

O insuportável calor de inverno regressou. Graças à chuva, claro. Não há mal que não tenha bem atrás ou ao lado.

Este de hoje é terrível: por mais que me dispa (salvo seja, claro) continuo a transpirar. Assim não há desodorizante que aguente. Verdadeira tragédia, este calor. Ao menos com o frio...

Não sei. Pouco importa. Alguém lhe encontrá decerto uma vantagem associada. Eu, por exemplo: relembrou-me de que há coisas bem mais importantes do que gelar, tantas e tanto. Da importância de um bom édredon. De que a vida não é só calores.

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Venho a uma biblioteca requisitar um livro que já quase soube de cor. Chama-se Os Passos em Volta, é de Herberto Hélder e um dos livros da minha vida. Descobri-o aos vinte ou vinte e um anos, pela mão do António Cabrita. Eu vinha da África do Sul, daquela mistura de mansões chiques e bares de putas sórdidos que frequentava em Cape Town, de cinco dias de coma num hospital da Namíbia (então ainda sob administração alemã, graças a Deus), de muitas coisas e não sabia bem para onde ia.  Os Passos deram sentido a isso tudo e a muito mais. Lê-los no Povo vai ser provavelmente o fechar dessa volta que começou há quase quarenta anos.

E espero que o princípio de outra.

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A acqua bassa continua, violentíssima, sem fundo e interminável. Tento - e consigo - não ceder à auto-compaixão. Penso que tenho o que quero ou pelo menos que o que não tenho é consequência do meu não-querer, coisa que tantos não podem dizer; que não estou sozinho, tenho amigos - idem - ; que em breve terminará. Por violenta que seja terá fim. Um homem é um homem e quem só sabe ver ao perto não é homem, é bicho.

Relva, dragões

O sol da manhã na relva amacia-a. Dá-lhe textura, volume. É aí que se escondem os dragões.

2.1.17

Misérias e boas famílias

Em Lourenço Marques morava nas vivendas da Coop, para quem conhece. Uma longa fileira de casas geminadas, sem espaço nem passagem entre elas. A nossa casa era numa esquina, a primeira de uma dessas filas. O jardim do vizinhos só era acessível ou passando pelo interior da casa deles ou pelo nosso, saltando os muros que nesse tempo eram baixos. A vizinha não podia deixar uma peça de roupa que fosse, uma, a secar à noite lá fora: era certo e sabido que desapareceria.

A nossa roupa ficava a secar no jardim a noite toda. Não faltava uma peça, nunca nos quatro anos que vivemos naquela casa desapareceu fosse o que fosse. Ou seja: quem passava pelo nosso jardim para ir roubar um par de meias na casa ao lado não tocava na roupa de uma família de sete pessoas.

A minha confiança é antiga, vem daí e assim continuará. A pequenez, o roubo mesquinho, a vingança, a chantagem são próprias de gente miserável. Não conseguirão integrar-me nessa tribo.

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"Quem não tem dinheiro não tem palavra", disse já não sei quem vai para cima de muito tempo. Parece que a isso Buñuel chamava a dupla maldição dos pobres: não ter dinheiro e não poder ter palavra, ser obrigado à ignomínia não por questão de carácter mas por falta de massa.

Percebo e aceito melhor um pobre sem palavra do que um "marquês" sem honra. Marquês leva aspas: não quero insultar a classe, que apesar de tudo produziu muito boa gente. Pessoas educadas e de "boas famílias" que se comportam como rufias não merecem outra designação senão: miseráveis.

Sobe e desce

Descrever esta longa subida que ele (ou ela, se for mulher) desce, ao contrário do que seria de esperar. Como se se tivesse enganado na escada rolante e teimasse em descer a que sobe ou subir a que desce. Primeiro apoia-se numa bengala mas esta parte-se. Demasiado peso. Arranja um chapéu de chuva. É verão: as pessoas olham surpreendidas. Surpreende-se por sua vez com a surpresa nos olhos dos outros. É óbvio que se está de chapéu de chuva é porque a bengala se partiu. Se não é devia ser. Não é. Nada é óbvio, nunca. Por isso as palavras ou à falta delas a indiferença.

Engana-se sistematicamente nas escadas e nos tapetes rolantes, nas casas de banho - entra nas das mulheres se é homem ou nas dos homens se é mulher - nas portas de entrada ou saída dos autocarros.

Não se apercebe do que está errado. Isto é: sabe que está no sentido ou no lugar errados, mas quando refaz a sequência das acções que o ou a levaram ali não encontra senão uma série de inevitabilidades. Como se a vida fosse um caos. "Pelo menos não tenho as calças demasiado curtas ou a saia demasiado longa ou o decote fora de moda ou o casaco puído". Vá lá. Nem tudo está perdido: pelo menos não tem as calças ou a saia erradas. Anda de chapéu de chuva no verão e tenta subir a escada que desce, mas pelo menos tem as calças ou a saia certas. Vá lá.

Chega finalmente ao cimo. O chapéu de chuva partiu-se. Começou a chover. Escorrega e vem parar cá abaixo num ápice porque agora sim, está na escada certa. Acabaram-se as peripécias e a chuva. Volta para cima. Alguém o espera. Um homem ou uma mulher. Seja quem for é quem ele ou ela quer que seja.

Por breves instantes o mundo deixa de ser um caos: a dois há ordem, breve que seja. Respira. Promete não voltar a enganar-se nas escadas, nos tapetes, nas portas.

Agora a dois. Agora adeus.

A dois o caos não desaparece. Muda de nome, simplesmente.

Mary Poppins, não te vás embora. Olha para trás, pelo menos. O teu chapéu funciona tão bem. O meu não. Partiu-se. O céu muda de cor consoante a direcção para a qual olhamos. Depende do Sol e das núvens, não de ti ou de mim.

A dois. Adeus. Mudar de caos é mais fácil do que mudar o caos. Uma longa subida que desce? Vida. Escolhe: sobe, desce, engana-te, cai, levanta-te. A dois. Adeus.

Nem os gémeos nascem ao mesmo tempo.

1.1.17

Confiança

Mais uma indicação de que a acqua bassa tem fim e o fim está à vista. Desta vez por telefone, o que ainda dá mais peso à esperança.

Por muitos maus bocados que ter confiança nas pessoas me tenha feito passar continuo a tê-la. Não sei se por preguiça, estupidez, optimismo ou simplesmente porque acredito em números: até agora encontrei muito mais gente em quem se pode confiar do que o contrário.

Acqua alta, acqua bassa

Toda a gente fala da acqua alta em Veneza, mas ninguém liga à acqua bassa, tão paralisante.

No pasarán

2017 começa bem, muito bem. Ainda estava na cama e recebo a notícia de que em breve terei notícias. Por estranho que pareça é uma boa notícia. Preciso de tão pouco para ser feliz...

Enfim, feliz não é o termo. Como alguém que eu conhecia dizia, com uma elegância tão indiscutível quanto a verdade que encerra "só conta quando está lá dentro*". Mas bolas, não gosto de fechar as portas que se entreabrem, pouco que seja. "Eles**" no pasarán!

Notas:
* - Referindo-se, naturalmente, à chegada a um porto, a um golo no futebol, ao dinheiro no bolso e a assim;
** - "Eles" não designa um grupo de pessoas em particular. É um englobante, impreciso como todos os englobantes; uma amálgama, para não dizer um magma.

Fim do ano - continuação e fim

Minha querida M.,

Acabo de chegar a casa. Não vim decerto pelo caminho mais curto, mas - isso de certeza - pelo que me fez ver menos gente: Rua do Ferragial, pouco depois a das Taipas, Praça da Alegria - menciono-a porque estava deserta, uma verdadeira alegria - Rua das Pretas, Rua do Passadiço. Daí à Estefânia é um salto e a "casa" outro. Ao todo uma hora agradabilíssima, por muitas aspas que casa leve. Salvo pequenos troços do percurso não vi nem ouvi ninguém. Não percebo porque é a agorafobia considerada patológica. Eu acho-a simples questão de bom senso. Turbas ululantes não são a minha visão favorita da humanidade.

Quero agradecer-te a noite de passagem de ano. Regra geral não lhe sou muito sensível. Devem ter sido tantas as que passei a dormir como aquelas em que celebrei esse acidente de calendário, acaso ou pretexto. Mas a de hoje foi-me particularmente agradável. Estou a ficar lamechas, é certo. "Já era tempo" dir-me-ias, se em vez disso não dissesses "estás nada".

Talvez esteja; não sei. Pouco me importa. Obrigado.

O resto é conversa de encher chouriços.

(Para a M. B., com uma gratidão que vai de um a trezentos e sessenta e cinco e de A a Z).

Fim do ano - III

Dançar comigo é como dançar com um menhir. Sem ofensa para os ditos, claro.

PS - Espero que haja uma arqueóloga na sala.
PPS (a seguir a um comentário) - Ou uma apreciadora dos livros do Asterix e respectivas personagens.

Fim do ano - II

É que sem miúdas giras a solidão não faz sentido.